Temos mais um ano de campeonatos estaduais – e eles são mais importantes do que parecem ser
Em todo início de ano temos o debate tácito sobre a existência dos campeonatos estaduais. Considerado um “empecilho” no planejamento de algumas poucas equipes das Séries A e B do Campeonato Brasileiro, esses torneios são considerados como um dos principais responsáveis pela não paralisação do futebol nacional nas datas FIFA e pelo apertado calendário das equipes que disputam competições internacionais. Trata-se de uma lupa que possui algum fundo de verdade, mas representa uma pequena parcela do futebol nacional.
De acordo com um levantamento feito pela equipe do Contra-Ataque no final de 2022, o Brasil possui cerca de 650 clubes ativos todos os anos. Desses 650 clubes – ou 718, se considerarmos o número de 2022 -, apenas 15 disputam competições internacionais. Mesmo a amostra de 40 equipes que contempla todos os participantes das Séries A e B é pequena quando analisamos o todo. Se o número de clubes não é um dado suficiente, o Raio-X do futebol brasileiro feito pela CBF em 2016 detalha que menos de 800 jogadores, presentes em um universo de mais de 28 mil atletas, recebiam soldos superiores a 12 salários mínimos no período do levantamento.
O que é discutido nas mesas redondas dos canais de TV por assinatura sobre os estaduais retratam o que possui maior alcance, mas ao mesmo tempo se trata de um recorte limitado, que foca em uma parcela bastante pequena do futebol profissional no Brasil. Dezenas de camisas tradicionais, que já disputaram as Séries A ou B em algum momento de sua história, dependem dos estaduais para obterem vaga na Série D ou simplesmente para se manter em atividade. Existe um universo próprio de clubes, dirigentes e pessoas relacionadas ao futebol que dependem dos estaduais para se manter no mercado do esporte, e não é um universo paralelo, são equipes que podem ascender da Série D à Série A em cinco, seis temporadas como Joinville, CSA e Santa Cruz fizeram.
São torneios curtos que não mantêm as equipes em atividade por um tempo suficiente e que permita criar uma torcida mais fiel. Isso é um ponto difícil de ser questionado pois realmente acontece, visto que diferente de outros países europeus o Brasil possui um fator que dificulta a viabilidade de torneios mais regionalizados: as distâncias e a dificuldade em percorrê-las. O tempo necessário para ir de Plymouth a Carlisle, cidades nos extremos sul e norte da Inglaterra, é menor que o tempo de uma viagem de Resende a Itaperuna, extremos do estado do Rio de Janeiro, mesmo se tratando de uma distância 250 km maior. É algo que sempre é preciso levar em conta quando pensamos no futebol brasileiro: o país é muito grande e é bem complicado tentar enxergar nossa realidade com a lupa utilizada em países europeus.
A realidade financeira também é diferente. Discute-se tanto a possibilidade dos clubes brasileiros competirem em par de igualdade com as equipes europeias e que o calendário apertado seria um complicador. O calendário realmente é apertado, mas o jogador de futebol pensa em ir para a Europa pela possibilidade de conhecer novas culturas, ter visibilidade em mercados que movimentam mais dinheiro e receber salários em uma moeda mais valorizada que a nossa. O êxodo de atletas acontece principalmente por conta do fator financeiro e não vai ser a extinção dos campeonatos estaduais que vai ajudar a resolver isso.
Os clubes europeus não devem ser vistos como ameaça, visto que eles fazem o que as equipes brasileiras fazem com jogadores sul-americanos: em uma região de moeda mais forte e campeonato de maior visibilidade, dirigentes buscam contratar destaques de outros países. Se internacionalmente temos isso a nosso favor, nacionalmente podemos ver um leque de oportunidades bastante grande graças às categorias de base que existem e são mantidas por clubes do país todo, muitos dos quais se dedicando somente à formação de jogadores. A presença dessas equipes do interior do Brasil possibilita a captação desses atletas que possuem inúmeras origens e ganham vitrine para exibir seu talento. Além disso, o futebol (e qualquer outro esporte) é uma excelente forma de lazer para jovens e pode ser um modo de evitar que a juventude caia em caminhos sem futuro.
O impacto na economia local também é evidente. Você gera renda para quem está dentro dos estádios, como jogadores comissões técnicas, bilheteiros e vendedores ambulantes, e renda para quem não está diretamente envolvido com o evento, caso de restaurantes e rede hoteleira.
Obviamente que a existência dos estaduais não impede outras discussões que busquem viabilizar a existência das equipes menores e tornar os campeonatos de menor porte mais sustentáveis financeiramente. Não podemos nos iludir e achar que o futebol brasileiro de clubes vai tão bem, pois apesar do sucesso nas competições continentais muitas equipes menores passam por dificuldades.
A ideia desse texto não é puramente bater de frente com outros veículos de mídia e jornalistas que possuem opiniões divergentes sobre a existência dos campeonatos estaduais, e sim suscitar um debate que por vezes é reduzido a duas dúzias de clubes quando o número de pessoas físicas e jurídicas ligadas aos torneios locais é grandioso. Penso que dirigentes, atletas, jornalistas e torcedores deveriam discutir com mais frequência formas de tornar o futebol brasileiro mais atrativo para todos os envolvidos e competitivo nos gramados nacionais e estrangeiros, mas é impossível discutir esse tema sem falar nos estaduais de uma forma apropriada e no impacto dos torneios nos jogadores e clubes profissionais em atividade no Brasil.