Quais foram os efeitos da pandemia no futebol mundial?
No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto de coronavírus havia se tornado oficialmente uma pandemia. Naquele dia, a pandemia chegava a pouco mais de 118 mil casos e 4292 mortes; até o fechamento desta matéria, são quase 3,7 milhões de casos e 258 mil mortes.
Com o crescimento exponencial dos números, nada mais natural do que as competições esportivas, que envolvem sempre uma grande quantidade de pessoas, serem suspensas.
Alemanha
Hoje, o governo alemão deu uma resposta positiva aos clubes do país sobre a possibilidade do retorno do futebol no país. Ela ocorrerá em 15 ou 22 de maio. Será um retorno de portões fechados, pois as aglomerações no país germânico estão suspensas até setembro. A intenção é concluir a atual temporada da Bundesliga até junho.
É uma decisão que envolve também as divisões inferiores do país, que poderão voltar a jogar também sem a presença de público. A 2. Bundesliga também ganhou sinal verde para seu retorno. Mesmo com a pandemia bem controlada na Alemanha, se comparado ao impacto que o coronavírus teve nos países vizinhos, três jogadores do Köln testaram positivo para a covid-19.
Angola
A temporada 2019-20, a primeira do futebol angolano dentro do calendário europeu, foi encerrada. A Girabola, primeira divisão local, não terá um campeão. Petro de Luanda e 1º de Agosto, os dois líderes e que disputavam cabeça-a-cabeça o título – com direito a um confronto direto que ainda aconteceria – conquistaram a vaga na Liga dos Campeões da África.
Argentina
A Superliga Argentina foi o primeiro campeonato que utiliza o calendário europeu a ser encerrado, e isso não aconteceu por causa da pandemia: ele acabaria em fevereiro de qualquer forma. O que foi cancelada é a disputa da Copa da Superliga, que daria a seu campeão uma vaga na próxima Copa Libertadores. Também foram cancelados os rebaixamentos nas temporadas 2019-20 e 2021 – o futebol argentino retornará ao modelo de calendário anual, utilizado pela última vez em 2015.
Um boletim recente da AFA determinou que serão decididas no segundo semestre as vagas de acesso das divisões inferiores: Primera Nacional (2ª divisão), Primera B Metropolitana e Torneo Federal A (3ª divisão), Primera C e Torneo Federal Regional (4ª divisão) e Primera D (5ª divisão).
Os clubes também receberam auxílio financeiro, mas nota-se claramente a discrepância entre interior e região metropolitana: os clubes do Federal A, campeonato do interior que abrange viagens bem longas, receberão 190 mil pesos cada, cerca de R$ 16 mil. Já os clubes da Primera B, todos de Buenos Aires ou sua região metropolitana, receberão 500 mil pesos cada, R$ 41 mil na cotação atual.
Bélgica
Há um mês, a direção da liga belga propôs o cancelamento da temporada e a coroação do Brugge como campeão nacional. A UEFA ameaçou banir de suas competições os clubes de países que encerrassem a temporada sem que ela fosse concluída no campo e até o presente momento, nada foi decidido de forma oficial na Bélgica – a própria UEFA retirou a ameaça semanas depois, após perceber que em algumas situações seria inviável concluir os campeonatos no campo. Uma reunião no dia 15 de maio determinará o que irá acontecer na liga belga.
Entretanto, nem tudo são flores: o Lokeren, clube da segunda divisão e que esteve entre 1996 e 2019 na divisão de elite, faliu. O clube devia mais de 5 milhões de euros a seus jogadores e comissão técnica, e a falta de receitas comprometeu a possibilidade de tentar colocar as despesas em dia.
China
A China foi o primeiro país a ter casos confirmados da covid-19 e também foi o primeiro epicentro da doença. Isso afetou o futebol local de forma bastante grave: ainda em janeiro, o jogo disputado pelo Shanghai SIPG na fase preliminar da Liga dos Campeões da Ásia ocorreu de portões fechados. Desde então, nenhuma partida profissional ocorreu no país.
Esperava-se que a liga local começasse no dia 22 de fevereiro, mas a situação fugiu tanto de controle que até hoje os clubes locais estão em pré-temporada, na espera de uma data de início do campeonato. Essa pré-temporada chegou a ser interrompida na fase aguda da pandemia dentro do país. O presidente do Guangzhou R&F declarou que “a temporada pode começar no final de junho ou início de julho“, ainda sem uma declaração oficial da federação chinesa.
Colômbia
Suspensa desde o dia 10 de março, a liga colombiana pode voltar em agosto ou setembro, e ainda assim muito provavelmente não terá a presença de público. O ministro dos esportes, Ernesto Lucena, propôs o retorno da Liga BetPlay em sede única. Uma junta de médicos da Federação Colombiana e da liga local elaborou um documento de 71 páginas com as propostas para a retomada. Até o momento, o futebol foi o único esporte no país que se movimentou para montar um protocolo de retorno.
Coreia do Sul
A Coreia do Sul foi um dos quatro primeiros países a anunciar oficialmente que teve contaminações por covid-19, ainda em janeiro. Com experiência de epidemias anteriores, o país conseguiu controlar a curva de infecções e o campeonato, que começaria em 29 de fevereiro, terá início a 8 de maio, sem a presença do público. Houveram alterações na fórmula de disputa: se antes os 12 clubes jogariam entre si por três vezes e depois partiriam para dois hexagonais em turno único, agora eles jogarão entre si por duas vezes antes dos hexagonais, totalizando 11 rodadas a menos.
A primeira partida da temporada, entre Jeonbuk Hyundai e Suwon Samsung, terá transmissão gratuita para o mundo todo através do Twitter e do YouTube. No horário de Brasília, o jogo ocorrerá às 7hs de sexta-feira, dia 8 de maio. O protocolo de retorno inclui a proibição de cumprimentos dentro de campo e de conversas entre os jogadores.
Escócia
O presidente da federação local, Rod Petrie, disse que “o futebol escocês não deve se sentir pressionado para voltar mesmo se os planos ingleses de retorno derem certo“. A Premiership escocesa, primeira divisão local, tem contratos de TV muito mais baixos do que os da coirmã inglesa, logo os clubes dependem muito mais das receitas de bilheteria e do dia de jogo, tornando menos viável um retorno sem a presença do público. As divisões inferiores do país foram encerradas antecipadamente, com a classificação final sendo determinada pela média de pontos dos clubes. O Dundee United foi o campeão da 2ª divisão.
Espanha
Nesta quarta-feira, dia 6 de maio, vários clubes retornaram à sua rotina normal de treinamentos. O Marca acompanhou o retorno de Barcelona, Real Madrid e Valencia, todos eles seguindo protocolos de uso de EPIs e testes logo na chegada aos CTs. A ideia é que La Liga retorne no dia 13 de junho após um processo em quatro fases: testes, treinamento individual, treinamento em grupos pequenos e treinamento coletivo.
Um comunicado de jogadores e comissão técnica do Eibar, clube do País Basco, expressou a preocupação sobre o retorno das atividades. “Estamos com medo de, fazendo o que mais gostamos, sermos contaminados pelo vírus, transmitindo-o a amigos e familiares e contribuindo para a ocorrência de uma nova onda da pandemia, com a possibilidade de terríveis consequências para toda a população”.
Em resposta, Javier Tebas, presidente de La Liga, declarou que “é mais arriscado ir à farmácia do que treinar”.
Estados Unidos
Paralisada desde o dia 12 de março, a temporada 2020 da Major League Soccer seguirá suspensa no mínimo até o dia 8 de junho. Na última sexta-feira (1º de maio), a MLS autorizou o retorno dos treinos abertos dos clubes, desde que sejam sessões individuais de cada jogador. Esse reinício dos treinamentos vem acompanhado por uma série de protocolos de restrições e desinfecção.
França
A França baniu até setembro todos os eventos esportivos com ou sem a presença de público. Isso indicou o término precoce da Ligue 1, Ligue 2 e National 1, as três principais divisões locais e que ainda não haviam sido encerradas. Os campeonatos amadores (National 2, National 3 e divisões regionais) já haviam sido encerrados antecipadamente, causando grande preocupação na associação de jogadores do país.
Faltando 10 rodadas para o término dos campeonatos profissionais e com alguns clubes com mais partidas do que outros, a solução tomada pela liga e pela FFF foi estabelecer a classificação final através da média de pontos. No National 1, Pau e Dunkerque conseguiram o acesso: o primeiro estreará na Ligue 2, e o segundo voltará aos quadro profissionais após 23 anos. Substituirão Le Mans e Orléans, rebaixados na Ligue 2 que teve como promovidos Lorient e Lens.
Na Ligue 1, o Paris Saint-Germain garantiu o título e a vaga na Liga dos Campeões, junto do Olympique Marseille e do Rennes. Lille, Nice e Stade Reims garantiram vaga na Liga Europa. Pela primeira vez em quase 25 anos, o Lyon fica de fora de uma competição continental. Foram rebaixados o Amiens e o Toulouse. Entretanto, estas decisões ainda não foram totalmente oficializadas, pois as finais das copas nacionais ainda não ocorreram e não se sabe se elas irão acontecer. Clubes irão entrar na justiça na busca por tentarem reverter sua situação dentro de campo, caso do Lyon e do Amiens.
Holanda
A temporada 2019-20 do futebol holandês foi dada como abandonada no dia 24 de abril. Ajax e AZ asseguraram vaga na Liga dos Campeões, mas nenhum deles foi declarado campeão. Feyenoord, PSV e Willem II garantiram vaga na Liga Europa – o Utrecht irá recorrer, pois poderia ganhar a vaga do Willem II caso conquistasse a Copa da Holanda. ADO Den Haag e RKC Waalwijk, muito próximos do rebaixamento, não irão descer de divisão, da mesma forma que Cambuur e De Graafschap, os dois primeiros da segunda divisão, não serão promovidos.
Inglaterra
Suspensa desde o dia 13 de março, a Premier League era a única das quatro grandes ligas europeias que ainda não tinha um protocolo específico para a retomada da competição. O jornal Telegraph teve acesso ao documento do protocolo do “Projeto Recomeço”, uma estratégia decidida em conjunto por liga e governo local com o objetivo de retomar o futebol de forma segura.
Todos os jogadores e funcionários dos 20 clubes da Premier League passarão por avaliações com a finalidade de saber se eles estão em algum grupo de risco por conta de problemas respiratórios ou cardíacos. De acordo com o Telegraph, a partir da próxima semana cada clube montaria seu esquema de testes no sistema “drive through”. Estima-se que o custo total desses testes até o final da temporada será de R$ 24 milhões, valor integralmente bancado pela Premier League.
O documento no qual o Telegraph teve acesso também diz que os jogadores deverão manter um distanciamento de no mínimo dois metros durante os treinos, e os funcionários como fisioterapeutas e massagistas teriam seu próprio kit de EPIs. Os jogadores também teriam seu próprio kit de treino, que inclui toalhas e garrafas d’água.
De acordo com a ESPN britânica, uma parte dos jogadores não está satisfeita com o retorno das partidas nas circunstâncias atuais. Uma das declarações, de um atleta que não quis se identificar, é dura: “o único jeito da liga levar isso a sério será quando alguém de um clube morrer”.
Irã
Bijan Zolfaghrnasab, presidente da associação de treinadores do país, comentou, em entrevista ao Tehran Times, que os clubes profissionais do país terão problemas financeiros devido à falta de receitas. “Apesar da maioria dos clubes ser controlada pelo estado, eles não são patrocinados de forma adequada, e não é claro como que eles receberiam em situações inesperadas”. Bijan também ressaltou que as receitas dos clubes ficam prejudicadas pela ausência de direitos televisivos.
Itália
A Itália, um dos países mais afetados pelo coronavírus na Europa, teve os jogadores de seus campeonatos retornando aos treinos individuais na última segunda-feira, dia 4 de maio. A expectativa é de que os treinos coletivos retornem no dia 18 de maio. Essa movimentação dá indícios de que a Serie A poderá retornar em junho, mas sem a presença de público.
Historicamente, as divisões inferiores italianas tem um histórico bem grande de pedidos de falência a cada temporada. Essa situação é extremamente preocupante entre jogadores e dirigentes. O CEO do Como, da Serie C, disse que “a terceira divisão deveria ser cancelada nesse ano”, citando razões financeiras e sanitárias.
Em entrevista à agência ANSA Brasil, dirigentes de clubes da Serie D como Mezzolara e Caronnese ressaltaram a revisão orçamentária de cada instituição, que poderia chegar numa redução de até 40%. Rômulo Togni, técnico brasileiro da Mezzolara, destacou que a Serie C também deverá sofrer bastante por ser uma divisão cujos clubes dependem de patrocínios regionais, de empresas que nem se sabe se seguirão de pé após a crise econômica.
México
Em decisão polêmica e amplamente repercutida pelo mundo todo, o rebaixamento e acesso entre as duas principais divisões do futebol local foi suspenso por seis anos. Os piores colocados da primeira divisão terão que pagar uma “multa” de acordo com a sua colocação na temporada. A atual temporada do Ascenso MX foi encerrada sem que um clube fosse declarado campeão.
Enrique Bonilla, presidente da Liga MX, entidade que rege o futebol mexicano, foi diagnosticado com a covid-19 no início de março. Em declaração recente, Bonilla manifestou a ideia de uma reunião no mês de maio para determinar como será a volta do futebol mexicano, caso ela venha a ocorrer dentro da temporada 2019-20.
Portugal
No dia 30 de abril, o governo local autorizou o retorno da Primeira Liga para o dia 30 de maio, dois meses e meio após sua suspensão e com 10 rodadas faltando para seu término. Também foi autorizado que a final da Taça de Portugal, entre Porto e Benfica, aconteça. Ambas as competições retornarão sem a presença de público.
No entanto, nem tudo são flores nas divisões inferiores. Sem o veredicto do governo, a Segunda Liga não poderá retornar. Uma reunião no dia 5 de maio determinou o acesso de Nacional e Farense e o rebaixamento de Cova da Piedade e Casa Pia, clubes que ainda teriam 10 jogos cada um a fazer. Nacional e Farense estavam nas duas posições de acesso com uma confortável vantagem em cima do terceiro lugar Feirense. Na outra ponta da tabela, Cova da Piedade e Casa Pia estavam bem distantes de escapar da queda. Os torcedores criticam a decisão da liga de encerrar um campeonato profissional e dar continuidade ao outro.
Em decisão tomada pela FPF, Vizela e Arouca foram os indicados pelo acesso do Campeonato de Portugal à segunda divisão por serem as equipes com mais pontos entre as 72 que disputam o torneio. Não haverão rebaixamento aos distritais, da mesma forma que nenhum clube das associações de futebol será promovido ao CPP. Dentro de cada distrito, a banda tocará conforme a intenção da AF: em Lisboa, haverão promoções e rebaixamentos entre as divisões. O Belenenses, emblema histórico que estava na última divisão há dois anos, estará na principal divisão distrital na temporada 2020-21.
Rússia
A ideia é retomar a disputa das duas primeiras divisões no final de junho. Com mais oito rodadas por jogar na Premier League, espera-se que a temporada seja completada no dia 2 de agosto.
A liga já se planeja caso não seja possível concluir a temporada 2019-20: subiriam dois times da segunda divisão e nenhum seria rebaixado, totalizando 18 participantes na próxima temporada da primeira divisão, e retornando aos tradicionais 16 na temporada 2021-22. Também especula-se que a Copa da Rússia possa ser removida do calendário da próxima temporada se houver a necessidade.
Suécia
Com uma abordagem menos restritiva com relação a tudo que envolveu o surto de covid-19, o país nórdico prevê o início da temporada 2020 da Allsvenskan para o dia 14 de junho, com direito a presença de público.
Onde o futebol está ocorrendo?
Três países mantém seus campeonatos ocorrendo normalmente desde o início da pandemia: Belarus, Nicarágua e Turcomenistão. Não é coincidência, estamos falando de três ditaduras que tentam abafar a realidade, subestimando a presença do covid-19 em seus países, seja falando que “coronavírus se trata com vodca e sauna“, seja proibindo a citação da palavra “coronavírus”. O Tadjiquistão também tinha seu campeonato ocorrendo normalmente, mas ele acabou sendo suspenso em meados de abril.
O único país que passou pela pandemia e já teve o reinício das ligas de beisebol e futebol sem a presença de público é Taiwan, país que teve uma das melhores abordagens contra o coronavírus e resultados não muito graves. Muito disso se deve à experiência que eles tiveram no surto de SARS entre 2002 e 2003, com 346 casos e 71 mortes. Com lembranças bem vívidas de um surto que teve 20% de letalidade, foi possível fazer uma administração muito melhor da pandemia dentro do país: 432 casos e apenas 6 mortes.
E o Brasil?
Cada estado dentro de nosso país toma uma medida distinta. Um único estadual foi cancelado e terminou sem um campeão, o Amazonense. O Rondoniense será concluído em novembro e sem a presença de quatro clubes desistentes – Barcelona de Vilhena, Guajará, Guaporé e Rondoniense. Nenhum dele será punido, conforme decisão da própria federação estadual.
A situação é bem distinta em outros estados. No Rio Grande do Sul, Grêmio e Internacional já voltaram aos treinos sob um protocolo digno de guerra – com pessoas totalmente protegidas fazendo os exames em cada jogador. A situação chegou ao absurdo de Marcelo Medeiros, presidente do Colorado e curado da covid-19, dizer que “quem não quiser treinar pode pedir demissão”. Outros campeonatos podiam voltar em maio, mas não conseguiram a liberação das respectivas secretarias de saúde.
Mesmo com o auxílio financeiro fornecido pela CBF, a situação de muitos clubes é bastante crítica. Uma reportagem recente do El País ressaltou a situação crítica de quem não disputa nenhuma divisão nacional; os 68 clubes da Série D receberam um auxílio de R$ 120 mil. Com a questão financeira incerta, muitos dirigentes temem pela falência de seus clubes. Com a inércia das federações estaduais, isso se agrava.
Por mais que exista pressão de patrocinadores, canais de TV e até mesmo do presidente da república, não estamos com a situação controlada para pensar em uma volta. Estamos longe de uma quantidade de testes por dia considerada ideal e a curva de infectados/mortos infelizmente ainda está distante do chamado “pico”. Os testes que estão sendo feitos com jogadores de futebol poderiam estar sendo feitos com pessoas que tem os sintomas da covid-19, desafogando um pouco a fila de exames.
Como isso não depende de nós, precisamos torcer para que o bom senso impere na cabeça de cartolas, políticos e jogadores.