O que acontece com o futebol do interior do Rio de Janeiro?
Já se vão 15 anos da final da Taça Guanabara disputada entre Americano e Volta Redonda, a chamada “Festa do Interior”. Diante de quase 35 mil pessoas, uma partida tensa foi resolvida nos pênaltis, com o Voltaço saindo campeão do Maracanã. Ainda que aliado ao fiasco dos grandes naquele primeiro turno, foi uma exibição digna de um interior competitivo, mas que acabou sendo um eclipse, pois não havia algo do tipo há muito tempo – e não voltou a acontecer algo assim até hoje.
Falamos de uma época na qual os clubes de fora da capital e região metropolitana conseguiam se impor em seus campos. A atual realidade é bem distinta: com exceção do Boavista, um clube com fartos recursos financeiros, e do Volta Redonda, que vai para a quarta temporada seguida na Série C, o interior não tem mais a mesma força de antigamente. Os clubes de menor investimento da capital, como Bangu e Madureira, vem incomodando mais do que todo o interior do estado.
Há praticamente uma unanimidade entre torcedores, cronistas e historiadores do futebol do Rio de Janeiro sobre esse assunto, algo expressado até pelos números: em 2019, embora sete dos 16 clubes da Série A fossem do interior, as outras três divisões continham somadas 17 clubes de fora da capital e região metropolitana, contabilizando 24 times entre os 66 que disputaram alguma competição profissional no estado em 2019.
Proporcionalmente, é um número baixo. De 2008 para cá, por vários anos a presença de clubes do interior chegava próxima de 50% dos participantes totais, como em 2012 (dos 58 clubes que jogaram as três divisões, 28 eram do interior, e seis deles jogavam a Série A). Somente em pouquíssimas situações a porcentagem de clubes do interior no estadual foi abaixo dos 36% de 2019 – caso dos 33% de 2005, dos 31% de 1998 e dos 32% de 1979, o primeiro ano após a reunificação das federações estaduais.
A fusão da Federação Fluminense de Desportos com a Federação Carioca de Futebol foi um ponto chave para a mudança no futebol do estado, segundo Diogo de Oliveira, pesquisador esportivo e administrador do Blog do Barra Mansa FC. Segundo ele, “até meados dos anos 70, os grandes clubes do interior conseguiam parar suas cidades em dias de jogos, tamanha era a popularidade de equipes como Barra Mansa, Central, Royal, Barbará, entre outros. A partir de 1976, com a fusão das duas federações, a FERJ não deu espaço para esses clubes, o que só fez aumentar a audiência do interior para com os quatro clubes grandes da capital, o que vem ocorrendo até hoje”.
Esta é uma realidade latente e que gera um efeito cascata até hoje. Proporcionalmente, as primeiras edições do estadual unificado foram as que tiveram menos participantes do interior. Em 1979, cinco dos 18 participantes era do interior. Em 1982, somente dois dos 12 clubes não eram da capital – não à toa eles eram Americano e Volta Redonda, dois dos clubes que mais participaram do Carioca desde a unificação em 1979. Muitas camisas pesadas, como Rio Branco de Campos, Barra Mansa e Central de Barra do Piraí, tiraram anos de licença logo após a criação da FERJ. O Friburguense conseguiu se manter participando ativamente após surgir de uma fusão do Fluminense com o Serrano local e a ausência do Nova Friburgo.
Sem participação, sem torcedores, e sem a presença da torcida, era bastante difícil obter renda. A situação começou a mudar na segunda metade da década de 1980, quando mais clubes do interior passaram a disputar ativamente as competições da FERJ. Este foi o caso de clubes tradicionais, mas sumidos das competições profissionais há muitos anos – situação de Cabofriense, Olympico, União Nacional de Macaé e Porto Alegre, que posteriormente passou a se chamar Itaperuna. Este foi um dos principais expoentes da força que o futebol do interior do estado apresentou naquele período, pois o clube disputou quatro edições seguidas da Segunda Divisão nacional, chegando até as quartas de final na edição de 1989 e sendo bem competitivo em 1990 e 1992.
Vários municípios passaram a ter participações frequentes nas competições profissionais da FERJ. Bom Jesus do Itabapoana teve o Olympico, Mendes teve o Frigorífico, em alguns anos as cidades de Três Rios, Barra Mansa e Volta Redonda chegaram a ter dois clubes profissionais no mesmo ano. Outras cidades, como Valença, Casimiro de Abreu e Miracema tiveram clubes que participaram esporadicamente dos campeonatos. O interior parecia ter tomado o caminho certo, com o fortalecimento de suas equipes. Em 1995, seis das 16 equipes do estadual eram do interior, o número mais alto de participantes desde 1988. No entanto, este ano acabou posteriormente se tornando um divisor de águas na forma com que a federação via o interior.
Originalmente, seriam rebaixados dois clubes, São Cristóvão e Campo Grande, os dois últimos colocados da Divisão Especial, e que dariam lugar a Barra Mansa e Bayer de Belford Roxo, campeão e vice da Divisão Intermediária de 1995. Em uma assembleia geral, a Ferj deu a famosa “canetada”, não só impedindo a promoção da dupla que estrearia na primeira divisão como também rebaixando Entrerriense e Friburguense, oitavo e 12º colocados na primeira divisão do ano anterior. Sob o argumento de “falta de condições estruturais”, a primeira divisão do Carioca foi reduzida de 16 para 12 clubes.
Houve também uma drástica redução de participantes na soma das quatro divisões. Desde 1991, o futebol do Rio de Janeiro registrava, anualmente, mais de 50 clubes ativos, chegando a um número de 61 equipes em 1995. Com as mudanças que aconteceram nas divisões na virada de ano, 1996 teve somente 41 clubes ativos. Aos poucos, as cidades do interior foram perdendo espaço, sobrando somente os clubes tradicionais que se alternavam na primeira divisão e algumas incursões que duravam pouco tempo – caso do Brasil Industrial de Paracambi e do Cascatinha de Petrópolis, duas equipes de regiões distintas, que viram no futebol profissional uma chance de crescer mas acabaram somente por acumular despesas, inviabilizando um retorno.
A federação tem sua parcela de responsabilidade não só pelo que aconteceu em 1996. Até 2007 os clubes de menor investimento podiam receber os quatro grandes em seus estádios – algo que não era fato raro, pois Entrerriense, Barreira, Cabofriense costumavam receber grandes públicos em estádios que para muitos eram considerados pequenos. Em 2008, nenhum dos ditos quatro grandes foi visitante contra uma equipe de menor investimento. No ano seguinte a prática voltou, mas geralmente envolvida numa mudança de mando, com um jogo do Friburguense sendo realizado em Macaé ou Volta Redonda. A condição de vida dos clubes do interior foi dificultada nesse contexto.
Há um contexto que envolve bastante os clubes do interior. A maior parte de suas receitas advém da bilheteria, com programas de sócio-torcedor ganhando destaque recente. Se você não tem uma tabela decente nem um regulamento fácil de se entender, que te permite receber a mesma quantidade de equipes que você visita, você tem suas receitas reduzidas, e através disso não é possível montar times competitivos, tornando difícil a missão de levar torcedores ao estádio ou fazê-los comprar produtos que rendam alguma receita para o clube. É um ciclo extremamente vicioso para quem entra nele.
Atualmente, a situação melhorou na Série A. Os estádios do interior recebem os grandes com mais frequência, embora o regulamento não ajude muito. Anos de sucateamento fizeram um estrago muito forte nas divisões inferiores, que passou a ter uma presença considerável de clubes da região metropolitana e ainda mantém clubes do interior, embora boa parte deles jogue em outras cidades e/ou sem público. Esta é uma realidade encarada por equipes de todo o estado, sejam elas tradicionais como Mesquita e Campos ou emergentes como Serra Macaense e Teresópolis. Dos 16 participantes da última Série B2, somente três jogaram em sua cidade de origem por todo o campeonato (Barra Mansa, Casimiro de Abreu e Pérolas Negras).
Como resolver isso? A maioria do público que acompanha o futebol do interior clama por maiores investimentos. Kleber Monteiro, professor e autor do livro “Da Lama à Grama”, no qual conta seu testemunho sobre a Série B2 estadual de 2019, defende um envolvimento maior dos municípios com esses clubes. “Você pode contar com prefeitura, alguma forma de patrocínio mais forte, e mobilização dessas cidades do interior em volta do clube… só que infelizmente com o discurso de cada vez mais futebol moderno, isso tem ficado um pouco à deriva, e fica um pouco difícil reestruturar a importância dos clubes de menor expressão.” Diogo de Oliveira também ressaltou a importância da federação. “É preciso tornar as divisões inferiores mais atrativas para o torcedor ter vontade de voltar a frequentar o estádio. A FERJ tem sim condições de se unir aos clubes para comercializar esse produto e obter mais subsídios para as equipes se auto-sustentarem.”
Infelizmente, a realidade de quem faz futebol no interior do Rio de Janeiro é bem difícil. Embora muitas cidades estejam carentes de um clube participativo nas divisões do estadual, nem sempre existem os recursos necessários para montar um time competitivo e levar público ao estádio. Após anos de um certo desprezo da FERJ com seus associados de fora da capital, a conta chegou de uma forma pesada. Esperamos que várias cidades atualmente paradas possam voltar a contar em breve com um clube, embora saibamos que até chegar nesse estado, é necessário passar por um caminho árduo. Como bem ressaltado por Kleber Monteiro, “infelizmente a modernidade tende a eliminar um pouco desse futebol de menor investimento.”