O sorteio da Copa do Brasil evidencia o funil favorável aos grandes clubes na competição

O sorteio da Copa do Brasil evidencia o funil favorável aos grandes clubes na competição
Foto: divulgação/Atlético Alagoinhas

Após três fases de uma competição divida entre antes e depois da paralisação, a Copa do Brasil finalmente alcança sua quarta fase, a última antes das oitavas de final. A competição que já foi chamada de “a mais democrática do futebol brasileiro” passou a ter desde 2017 um afunilamento bastante grande que privou muitos clubes de disputarem suas fases decisivas e reservou a competição para um seleto grupo de clubes que passam ano após ano brigando por vagas na Copa Libertadores através do Campeonato Brasileiro.

Historicamente as competições mata-mata são um contraponto aos campeonatos de todos contra todos. Enquanto os torneios eliminatórios costumam utilizar menos datas ao longo de uma temporada e tem uma maior tendência ao imprevisível, os pontos corridos premiam a regularidade. Há muito tempo a lógica é essa, e não era raro ver zebras passeando nas copas nacionais. Calais, Estrela da Amadora, Desportivo das Aves, Wigan Athletic, Santo André e Brasiliense são alguns casos conhecidos de clubes inesperados chegando à final da copa nacional. Podemos mencionar também os clubes que eliminaram os grandes de seus países, como Linhares, Alcorcón e Alverca.

Se na Europa a imprevisibilidade diminuiu muito por conta das grandes cifras aportadas nas primeiras divisões, o que dizer do Brasil? Embora não possamos ignorar os contratos recentes fechados com as emissoras que transmitem futebol, o principal fator que modificou a presença dos clubes das divisões inferiores nas fases finais foi a mudança abrupta de regulamento.

Estávamos em outubro de 2016. Em uma canetada, a CONMEBOL aumentou a quantidade de vagas de todos os países na Copa Libertadores. O Brasil, que tinha direito a cinco vagas, passou a ter sete. A competição continental deixaria de ser disputada somente no primeiro semestre e passaria a durar o ano todo. Com a novidade já entrando em vigor três meses depois, a CBF precisou pensar rápido. A Copa do Brasil foi “sacrificada”: se entre 2013 e 2016 os 80 clubes que iniciavam a competição disputavam 10 vagas nas oitavas de final em três fases, desde 2017 os 80 clubes que iniciam a competição disputam cinco vagas nas quartas de final ao longo de quatro fases.

Também houve uma mudança na quantidade de clubes entrando diretamente nas oitavas: entre 2013 e 2016 eram seis, geralmente os seis classificados à Libertadores. Desde 2017, o número de brasileiros na competição passou a variar entre sete e nove, dependendo de quem pudesse se sagrar campeão da Libertadores ou da Sul-Americana. A solução encontrada pela CBF para manter os 80 clubes no início da Copa do Brasil foi inserir os campeões da Copa do Nordeste, Copa Verde e Série B (caso necessário) diretamente nas oitavas de final.

Ainda houve outra mudança que impactou diretamente nessa situação: desde 2017, os clubes que jogam como visitantes na primeira fase da Copa do Brasil tem o benefício do empate. Essa vantagem desportiva baseada no Ranking da CBF tem um embasamento, mas não faz sentido nenhum do ponto de vista esportivo. Já tivemos clubes mandantes que saíam atrás e que eram forçados a virar o placar se quisessem seguir, ou clubes mandantes que venciam até os acréscimos, levavam o empate e ficavam de fora por causa do regulamento.

O efeito dessa novidade ficou aparente logo no primeiro ano. Em 2017, a Copa do Brasil não teve nenhum clube fora das Séries A e B nas oitavas de final, um fato que não ocorria desde 2003, ano no qual ambas as divisões somadas tinham oito clubes a mais do que hoje. Desde então, em todo ano a Série A tem 13 clubes entre os 16 participantes da quinta fase. O Brusque pode fazer esse número diminuir caso elimine o Ceará na quarta fase.

O Brusque pode ser o único clube fora das Séries A e B nas oitavas de final da Copa do Brasil 2020 (foto: Lucas Gabriel Cardoso/Brusque FC)

Essa presença maciça das duas principais divisões nas fases finais da Copa do Brasil é boa pelo lado comercial, mas faz a competição perder seu lado imprevisível e sua atratividade para alguns dos centros futebolísticos por todo o país. Há uma disparidade aparente se compararmos a Copa do Brasil com outras copas nacionais ao redor do mundo. Se levarmos em conta as competições eliminatórias da Alemanha, Inglaterra, Itália, Portugal, Espanha e Argentina, quase todas elas tem uma menor concentração de clubes da Série A nas oitavas de final – a única exceção é a copa italiana.

Não à toa nas outras copas os principais clubes entram em menor quantidade ou uma fase mais cedo. Na Inglaterra e em Portugal, os clubes da primeira divisão entram na fase de 32-avos de final, com 64 participantes (equivalente a nossa terceira fase). Na Espanha, somente quatro clubes entram na fase de 16-avos de final, que envolve 32 times (equivalente a nossa quarta fase).

Isso não se trata de uma questão puramente numérica, apesar da quantidade de dados citados nos parágrafos acima. Quando temos uma copa nacional com mais clubes de menor investimento podendo chegar às fases finais, o futebol ganha boas histórias de zebras, as cidades menores ganham espaço dentro do cenário e mais jogadores que eram “desconhecidos” podem mostrar seu futebol para as câmeras em um jogo televisionado.

Hoje temos somente o Brusque na quarta fase da Copa do Brasil, que tem somente 10 participantes. Caso os clubes que entram nas oitavas da final fossem inseridos uma fase mais cedo, esse número seria maior. Quantos clubes das divisões inferiores poderiam ter sua “história de Cinderela” caso tivessem mais chances de expor seus jogadores e suas cidades numa competição que engloba participantes de todo o país? Como a realidade dessas equipes poderia mudar com uma luz que hoje é negada pela CBF?

Sabemos que a realidade financeira de nossos clubes nem sempre é boa e a premiação existente hoje na Copa do Brasil, que prevê em torno de R$ 530 mil para os eliminados na primeira fase e valores superiores a R$ 1 milhão para quem avança dela, é uma das melhores no mundo todo, uma forma de salvar o ano de muitas equipes. Infelizmente, da forma que a competição é montada e estruturada hoje, esse bilhete premiado para quem participa da copa parece mais ser um simples doce a uma criança do que uma atitude em prol dos clubes menores.

Os confrontos da quarta fase serão os seguintes:

América MG – Ponte Preta
Ceará – Brusque
Vasco da Gama – Botafogo
Atlético GO – Fluminense
CRB – Juventude

Está à esquerda quem decidirá em casa. As datas são entre 15 e 17 de setembro (ida) e de 22 a 24 de setembro (volta).

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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