Como a reorganização do Campeonato Carioca pode impactar os clubes de menor porte
A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ) anunciou em outubro de 2019 que as divisões estaduais passariam por uma mudança em sua organização. A temporada 2020 seria utilizada para readequação, sendo a última a manter as quatro divisões existentes no futebol fluminense desde 2017. A partir de 2021, teremos cinco divisões e a criação de um novo segundo nível, denominado Série A2. Sabemos da complexidade envolvida na maioria dos regulamentos da FERJ e por isso buscamos fazer esse texto dissecando o funcionamento da pirâmide do futebol carioca.
De início as nomenclaturas podem confundir, mas essa mudança de títulos é bem comum em terras fluminenses. A Série A sempre foi chamada dessa forma ou de Primeira Divisão, mas as divisões inferiores já tiveram diversas nomenclaturas. O segundo nível hoje é Série B1, mas já foi Divisão de Acesso, Segunda Divisão, Módulo Intermediário e Módulo Especial. Já o que conhecemos hoje por Série B2 já foi Série C, Segunda, Terceira Divisão, Módulo Intermediário e Módulo Especial. A atual quarta divisão já foi Segunda e Terceira Divisão.
Como é hoje
A Série A é composta por duas etapas. A primeira delas é a seletiva, jogada em turno único por seis clubes e que classifica dois à fase principal, com os outros quatro sendo conduzidos ao grupo X, que rebaixa dois para a Série B1 do mesmo ano. A fase principal é aquilo que conhecemos desde 2004: dois turnos (Taça Guanabara e Taça Rio), em um deles os confrontos são dentro da chave e no outro os confrontos são dos times de uma chave contra os times da outra. Cada turno tem suas semifinais e sua final, e os vencedores de cada turno fazem a final geral.
Até agora o regulamento não é complicado, o que realmente pegou era a fase final. Entre 2017 e 2019, os dois campeões de turno jogavam as semifinais gerais com as duas equipes de melhor campanha que não haviam ganho nenhum turno. Essa manobra no regulamento foi feita visando um maior número de clássicos entre os quatro maiores clubes do estado. Somente em 2020 que voltamos ao clássico regulamento da final entre os dois ganhadores de turno, e um campeão “arrastão” caso o mesmo clube leve tanto a Taça Guanabara como a Taça Rio.
Tanto a Série B1 como a Série B2 seguiam a mesma lógica de regulamento: equipes divididas em dois grupos, dois turnos da mesma forma, semifinais e finais de turno, semifinais e final geral. O que varia em cada uma das três principais divisões é o número de participantes. Na Série A, sempre foram 12 clubes; na B1, o número variou entre 17 e 21; na B2, o número variou entre 12 e 16. Tanto a Série B1 como a Série B2 foram criadas com esse nome em 2017, ano da última reformulação promovida pela FERJ.
A Série C nunca teve um regulamento uniforme, mas sempre aconteceu com cerca de 18 participantes. A fórmula de disputa se aproxima do que existia na antiga Série C, com uma primeira fase de grupos e depois mata-mata entre os classificados até conhecer o campeão.
Todas as divisões tinham espaço na Copa Rio, competição eliminatória do estado que dá uma vaga na Copa do Brasil e outra na Série D. Diluída ao longo de 15 semanas, os 25 clubes – oito da Série A, oito da Série B1, oito da Série B2 e um da Série C – disputavam cinco fases até chegarem na grande final.
Apesar da sopa de letrinhas existente nos nomes das divisões, a organização era feita de uma forma coerente. Devido à pandemia, não tivemos a realização da Série C e da Copa Rio no ano de 2020. Além disso, foi necessário realizar algumas mudanças nos critérios de acesso e rebaixamento nas divisões inferiores.
Na Série A, o grupo X salvou uma equipe e as outras três foram conduzidas ao grupo Z, que rebaixou somente um clube à Série B1 de 2020. A B1 de 2020 seguiu dando dois acessos à Série A1 (novo nome da A), mas também deu seis acessos à Série A2. Sete equipes se mantiveram na B1 e duas foram rebaixadas à B2. Na terceira divisão, quatro equipes serão promovidas para a B1, oito se manterão e quatro serão rebaixadas à Série C.
Como será em 2021
As mudanças já começam na seletiva. A questionada fase preliminar, em sua última edição, dará somente uma vaga na Série A1 e será disputada em turno e returno, com as outras equipes passando para a Série A2. A Série A1 será disputada do mesmo jeito que a Série A foi, rebaixando um clube para a Série A2 do mesmo ano. Tanto a Série A2 como a Série B1 terão as mesmas 16 datas da Série A1 – localizadas em épocas diferentes do ano – e a A2 rebaixará um clube para a B1 do ano corrente.
Diferente da A2, a B1 não rebaixará um clube para a B2 do mesmo ano. A Série B2 também terá as mesmas 16 datas, e ocorrerá depois da Série C, para que os clubes da quinta divisão consigam disputar a quarta no mesmo ano.
Não são critérios tão claros, alguns até não parecem fazer sentido, então podemos explicar essa reestruturação montando a composição das divisões de acordo com o que sabemos até agora.
Seletiva: três clubes remanescentes (America, Americano e Friburguense), um que veio da fase principal da Série A 2020 (Cabofriense) e dois promovidos da B1 2020 (Nova Iguaçu/Duque de Caxias e Maricá/Sampaio Corrêa)
Série A1: onze remanescentes (Bangu, Boavista, Botafogo, Flamengo, Fluminense, Macaé, Madureira, Portuguesa, Resende, Vasco da Gama e Volta Redonda) e o campeão da seletiva 2021
Série A2: um rebaixado da A1 2021, cinco eliminados da seletiva e seis promovidos da B1 2020 (Angra dos Reis, Artsul, Gonçalense, Goytacaz, Nova Iguaçu/Duque de Caxias e Maricá/Sampaio Corrêa)
Série B1: um rebaixado da A2 2021, sete remanescentes (Audax, Olaria, Nova Cidade, Rio São Paulo, São Gonçalo, Serra Macaense e Serrano) e quatro promovidos da B2 2020
Série B2: dois rebaixados da B1 2020 (Bonsucesso e Campos), oito remanescentes e dois promovidos da C 2021
Série C: não tem número fixo de participantes, mas deve ter a presença dos quatro rebaixados da B2 2020
Um documento divulgado pela FERJ em outubro deixa duas possibilidades abertas: a primeira é que as quatro principais divisões aconteçam com o mesmo regulamento, já que a quantidade de datas é a mesma para todas elas. A segunda é que a Copa Rio não aconteça ou seja reformulada, pois seria bem complicado fazer equipes da B1 e B2 jogarem poucas partidas ainda no primeiro semestre ou jogarem a competição entre setembro e novembro com o calendário apertado.
O que pode preocupar clubes e torcedores
Sabemos que a realidade dos clubes de menor porte do nosso país é dura. Muitos passam dificuldades financeiras ao longo de uma temporada inteira, não conseguem patrocinadores e precisam recorrer a empresários para conseguir ter um elenco. A proposta da Série A2 viria acompanhada de transmissão na TV e um valor correspondente a isso. Com a rescisão do contrato com a TV Globo, a probabilidade da Série A2 ter esse benefício financeiro diminuiu bastante.
As divisões que já não tinham transmissão da TV perderam um nível na pirâmide. A B1, que era a segunda, passará a ser a terceira divisão. A B2 passará a ser a quarta, e a C se transformará na quinta divisão. Isso diminui a visibilidade e também a possibilidade dos clubes participantes conseguirem patrocinadores para viabilizar a disputa. Também não há sentido ver um clube ganhar a Série B2 e mesmo assim seguir na terceira divisão por causa de uma mudança de nomenclatura.
Ainda nas Séries B1 e B2, ao comparar as tabelas que apresentam os calendários de 2019 e 2021 nós podemos ver que a duração das competições diminuiu. As divisões inferiores, que costumavam ter de quatro a cinco meses de duração, terão no máximo três meses de espaço entre seu início e seu término. Os clubes terão o desafio de fidelizar torcedores e atrair renda a longo prazo nesse contexto.
Temos também a Copa Rio, competição eliminatória que permite que os clubes das divisões inferiores sonhem com uma vaga em competição nacional, o que aconteceu em 2018 com o Americano e o Itaboraí (foto acima). Com a realização dificultada, é difícil imaginar se a Copa Rio poderá propiciar aos clubes menores uma chance de desafiar equipes de maior investimento.
Jogadores e comissões técnicas também podem ficar com menos espaço após a reorganização. Normalmente, um máximo de 35 equipes (somando Séries B1 e B2) atuam simultaneamente, muitas delas com jogadores que disputaram a Série A nos primeiros meses do ano. Com o novo calendário, teremos no máximo 24 equipes atuando no mesmo período, o que indica que a quantidade de novos jogadores surgindo pode diminuir.
Por fim, temos o rebaixamento para a divisão inferior no mesmo ano. Desde 2017 quem é rebaixado na Série A joga a B1 no ano corrente, mas para 2021 podemos ter a bizarra situação em que um clube pode jogar as Séries A1, A2 e B1 no mesmo ano. Embora isso dê mais datas para as equipes, não é viável financeiramente ter um calendário que pode variar entre três e seis meses, as competições eliminatórias que temos em nosso calendário costumam ter um período de mata-mata mais reduzido para não tornar a renovação de contratos tão onerosa.
São questionamentos pertinentes tanto para a FERJ e seus dirigentes, que organizam o futebol do Rio de Janeiro desse modo, como para os dirigentes dos clubes, atletas, torcedores e imprensa. As mudanças de regulamento e calendário sempre precisam ser analisadas com calma para que o torcedor não se afaste e o futuro do campeonato não fique comprometido pelo estado financeiro dos clubes.