A colônia portuguesa comemora em dose dupla: a quarta-feira foi marcante para Tuna Luso e Portuguesa
A última quarta-feira foi importante para o futebol brasileiro. Após uma grande partida, o Santos venceu o Grêmio por 4-1 e se classificou às semifinais da Copa Libertadores. No Morumbi, o São Paulo fez 3-0 no Atlético Mineiro e é mais líder do que nunca. O dia não foi importante somente para as equipes da Série A: em dois estádios tradicionais do futebol brasileiro, Tuna Luso e Portuguesa, dois clubes de origem lusitana, venceram e deram passos importantes em sua história depois de anos fora dos holofotes.
O dia começou em Belém do Pará. Às 9h30, duas partidas movimentaram a Segunda Divisão do Campeonato Paraense. No Estádio Francisco Vasques (o popular Souza), o Gavião Kyikatejê empatou com o São Francisco em 2-2 e conseguiu o acesso após ter obtido 3-2 no placar agregado. No Mangueirão, a Tuna Luso – que havia vencido o Sport Real por 2-0 no jogo de ida – venceu a segunda partida por 1-0 e também conseguiu o acesso. O gol da promoção foi marcado por Bambelo nos acréscimos do segundo tempo. Ambos os promovidos farão a final no próximo domingo (20), às 9h30.
Não se trata somente de um acesso de uma equipe tradicional. Emblema histórico do futebol paraense, a Tuna Luso Brasileira nasceu como um conjunto musical formado por jovens portugueses em 1903 – daí vem o primeiro nome do clube. Foi somente na década de 1930 que a então Tuna Luso Comercial passou a se aventurar no futebol paraense. Desde então, foram 10 títulos paraenses, o último em 1988, uma Taça de Prata em 1985 (competição com o mesmo peso da Série B) e uma Série C em 1992, assim se consolidando como terceira força do futebol local, atrás da dupla Re-Pa.
Desde então, aconteceu uma lenta queda de desempenho com o clube. A Tuna permaneceu na Série B por seis anos a partir de 1994 com campanhas medianas. Após a queda em 1999 e a disputa da Copa João Havelange, a Águia do Souza voltou para a Série B em 2001, ano em que foi novamente rebaixada após perder uma disputa de dois jogos para o Malutrom. Na década de 2000, os pontos altos do clube foram os três vice-campeonatos estaduais em 2002, 2003 e 2007, que credenciaram o clube para a disputa da Copa do Brasil.
Após o último vice-campeonato, a Tuna Luso começou a colecionar desempenhos ruins dentro de campo. Por cerca de cinco anos, o clube alternou entre más campanhas na fase principal e eliminações na primeira fase do Campeonato Paraense (que era disputada no final do ano anterior), indo assim até a primeira queda em 2014. O acesso no mesmo ano não evitou um novo rebaixamento em 2015, último ano da seletiva no estadual.
Na prática, a Tuna Luso já havia deixado de lado o posto de terceira força do futebol paraense para outros clubes como São Raimundo, Águia de Marabá e mais recentemente o Bragantino. O rebaixamento e os insucessos na Segunda Divisão corroboraram a ideia geral do torcedor de que a Tuna Luso merecia a torcida de qualquer um que gostaria de ver um time tradicional de volta à elite do Pará. Entre 2015 e 2019, mesmo com os pensamentos positivos espalhados por todo o Brasil, que chegaram até nos sets de gravação da TV Globo, a Tuna Luso foi eliminada três vezes na primeira fase da Segundinha e duas vezes nas quartas de final.
A Segunda Divisão Paraense de 2020 contou com 20 participantes. Na primeira fase, a Tuna Luso foi primeira em um grupo com Caeté (o outro classificado), Pinheirense, Pedreira e União Paraense. Nas quartas de final, uma derrota por 2-0 para o Fonte Nova no jogo de ida não desanimou a equipe tunante, que venceu por 3-0 no jogo de volta e carimbou a vaga nas semifinais, a última fase antes do acesso. Duas vitórias sobre o Sport Real consagraram o time comandado por Robson Melo e com jogadores como o atacante Paulo Rangel (ex-Lajeadense, Paysandu e Madureira) e o volante Quaresma (com várias passagens pelo futebol do Norte).
Para Vitor Hugo Ribeiro, comentarista da Rádio Ananin FM de Ananindeua (região metropolitana de Belém), a torcida em peso pela Águia do Souza ajudou na conquista do acesso. “A Tuna começou com um planejamento que foi atrapalhado pela pandemia mas mesmo assim conseguiu contratar bons jogadores, que passaram por clubes como Remo e Paysandu, e com os pratas da casa foi possível formar uma boa equipe para conseguir o acesso. O futebol tem aquele negócio da camisa que pesa muito, né? Os torcedores de Remo e Paysandu tem a Tuna como segundo time. Eu especifico um jogo contra o Fonte Nova, time novo, ganhou o primeiro jogo de 2-0 e a torcida ficou meio pra baixo: “poxa, a Tuna não vai subir de novo”. E o time foi lá e conseguiu reverter o placar.”
“O time é limitado, mas contou muito com a ascensão de rendimento durante o campeonato. Não é preciso mudar totalmente, tem que mudar apenas umas peças para fazer uma boa campanha no estadual. É um gigante adormecido e espero que a Tuna acorde, que volte a ser grande”, concluiu Vitor Hugo.
Dez horas depois e 2885 km ao sul, outro clube tradicional pôde comemorar. Após uma vitória categórica por 3-0 sobre o São Bernardo FC, a Associação Portuguesa de Desportos assegurou a vaga na final da Copa Paulista 2020, na qual enfrentará o Marília nos dias 20 e 23. O campeão do torneio poderá escolher entre Copa do Brasil e Série D e o vice-campeão ficará com a competição que “sobrar”. Essa final marca a volta tanto do Marília (após nove anos) como da Portuguesa (quatro anos depois) às competições nacionais.
A Portuguesa foi outra equipe que passou por maus bocados nos últimos anos. Fundada em 1920 após a fusão de cinco clubes de origem lusitana, desde 2002 a equipe do Canindé, que é tricampeã paulista e vice-campeã da Série A em 1996, vinha alternando boas temporadas na Série B com batalhas contra o rebaixamento na Série A. Após o caso Héverton e dois rebaixamentos consecutivos, da A para a B e da B para C em 2013 e 2014, a Lusa nunca emplacou mais boas campanhas. O poço parecia sem fim após as eliminações em 2017 para o Boavista na segunda fase da Copa do Brasil e na primeira fase da Série D.
Fora das divisões nacionais, da elite paulista e sem pontuação suficiente no Ranking da CBF para jogar a Copa do Brasil, a solução passou a ser via Copa Paulista. Contra equipes das Séries A1, A2 e A3, a missão era árdua: chegar na final para ter o direito de escolher qual competição iria disputar, tal como acontece hoje. Em 2017, a Lusa foi eliminada para a Ferroviária nas semifinais. Nos dois anos seguintes, porém, a situação foi mais dramática: duas eliminações na primeira fase em 2018 e 2019.
A sorte se uniu à competência em 2020. Em um grupo com Água Santa, Nacional e Guarani, a Portuguesa não deu chance para o azar e somou 16 pontos de 18 possíveis, conquistando assim a melhor campanha da primeira fase. Nas oitavas de final, duas vitórias de 1-0 sobre o rival Nacional. Após manter a melhor campanha geral, o chaveamento reservou o Água Santa para as quartas de final: após vitória por 1-0 na ida, uma derrota por 2-1 em Diadema levou a decisão da vaga para os pênaltis. O Água Santa perdeu dois pênaltis e foi eliminado.
Nas semifinais, a Lusa encarou o São Bernardo FC, que não era comandado por Marcelo Veiga desde a primeira fase. Ex-treinador das duas equipes, Veiga estava internado desde o dia 20 de novembro com covid-19, não resistiu e faleceu na última segunda-feira (14). As duas equipes fizeram uma homenagem ao treinador antes do jogo de ontem³. Dentro de campo, a partida de ida, disputada no sábado em São Bernardo do Campo, terminou empatada. No segundo jogo, a Portuguesa não tomou conhecimento do adversário dentro de campo. Com 10 minutos de jogo, a Lusa já havia aberto 2-0, com gols de Maykinho e Adilson Bahia. Coube a Giovani fechar o placar no início da segunda etapa.
Repórter do NetLusa, Chrystian Gedra relata que o momento é de união. “Pelo que a gente percebeu, a comissão técnica, diretoria, torcida, estão todos muito unidos em prol do título da Portuguesa, estão todos muito motivados. Você pode até perceber que depois do jogo muitos jogadores compartilharam as fotos, a torcida ficou em polvorosa, o ambiente está bem tranquila e a galera está bem unida, empolgada com a possibilidade do título da Copa Paulista.” E se o título vier, qual será a escolha mais provável? “O foco é a Série D, é um pedido da torcida e da diretoria. O objetivo da Portuguesa é renascer nos torneios nacionais e voltar a disputar pelo menos a Série C para manter um calendário nacional”, concluiu Chrystian.
A partir de agora, os rumos das equipes lusitanas se dividem. A Tuna Luso, depois da final da Segunda Divisão, voltará a campo em fevereiro pelo Campeonato Paraense. Caso a Águia do Souza fique entre os dois melhores clubes fora a dupla Re-Pa, garante uma vaga na Série D de 2022. A Portuguesa volta a campo em fevereiro pela Série A2, podendo ganhar a data da Copa do Brasil durante o período do estadual ou obter no mínimo mais três meses de calendário caso dispute a Série D em 2021.