De curta história, a Copa Rubro-Verde foi uma ideia inovadora para um torneio de pré-temporada
O período de pré-temporada quase sempre é curto no calendário do futebol brasileiro. Após inúmeras temporadas que se iniciaram no meio de janeiro, 2015 viu uma mudança nesse sentido, com os estaduais de primeiro escalão iniciando somente no último final de semana de janeiro. Essa mudança permitiu a adoção de campeonatos de pré-temporada, como o Torneio Super Series e a Taça Chico Science. Seguindo a onda de competições amistosas, nasceu um dos torneios mais originais que o futebol brasileiro já viu: a Copa Rubro-Verde.
A ideia nasceu após vários anos com o sonho de montar uma competição nesse estilo, conta o jornalista e historiador da Portuguesa paulistana Luiz Nascimento. “Foi uma ideia que partiu da Portuguesa, mas não era uma ideia nova, já havia a intenção de reunir os clubes da colônia portuguesa em alguma data festiva há muito tempo. A ideia sempre foi trazer o Vasco para ter uma visibilidade legal, mas isto nunca saiu do papel por causa dos custos e das agendas e a situação se agravou com a queda das Portuguesas. Dá até para lembrar de 1988, quando a Portuguesa e o Vasco foram convidados para participar do Torneio Lusitânia em Portugal, a Portuguesa chegou a empatar com o Porto por 1×1 no Estádio das Antas.”
Sem tanto prestígio e dinheiro, a solução foi fazer um torneio de tiro curto. “Era o segundo ano da gestão Alexandre Barros e a Portuguesa não tinha dinheiro para fazer uma pré-temporada elaborada. Ele lançou a ideia para o presidente da Portuguesa Santista numa reunião da FPF – e o mandatário da Briosa gostou, eles já tiveram a ideia de fazer um quadrangular em uns três, quatro dias no máximo. Seriam jogos mais competitivos com um custo pequeno, sem deslocamento. Eles levaram a ideia para o presidente da Portuguesa do Rio e o clube topou, por fim a Portuguesa Londrinense fechou o quadrangular.”
Com os participantes definidos, foi possível definir o regulamento: a primeira fase teria duas semifinais que seriam disputadas no dia 4 de janeiro, uma quinta-feira. O primeiro confronto seria entre Portuguesa Santista e Portuguesa RJ e o outro entre a Portuguesa paulistana e a Portuguesa Londrinense. Tanto a disputa de terceiro lugar como a final seriam disputadas no dia 7 de janeiro, um domingo. O preço dos ingressos era bem acessível: R$ 10 ou um quilo de alimento não-perecível. Os sócios dos quatro clubes teriam direito à meia-entrada nas partidas, todas disputadas em São Paulo no Estádio do Canindé.
A primeira partida foi disputada às 19h da quinta-feira. De um lado, a Portuguesa Carioca era treinada por João Carlos Ângelo e tinha um elenco que conquistou o 6º lugar no Campeonato Carioca meses depois, com peças como o goleiro Milton Raphael, o zagueiro Luan, o volante Ygor e o atacante Alexandro. Do outro, a Portuguesa Santista era treinada pelo ex-goleiro Sérgio Guedes, e o elenco com peças como os atacantes Rodriguinho e Wendell, o lateral Rafael Ferro e o meia Rafael Tufa seria vice-campeão da Série A3 no decorrer de 2018. Dentro de campo, as equipes fizeram um jogo movimentado. A Briosa abriu o placar com Rodriguinho, depois Alexandro empatou de pênalti e Marcão virou para a Portuguesa carioca. Rodriguinho empatou faltando 20 minutos para o fim e a vaga foi decidida nos pênaltis, com o clube do Rio de Janeiro levando a melhor.
Como os jogos foram organizados em formato de rodada dupla, na sequência a Portuguesa paulistana recebeu a Portuguesa de Londrina. A equipe paranaense disputou a Copa Rubro-Verde com um time sub-20, pois ainda estava formando o elenco profissional que disputou a segunda divisão paranaense no ano. Já a Portuguesa que sediou a competição era comandada por Guilherme Alves e tinha boa parte do elenco que não fez uma boa campanha na Série A2, como o atacante Bruno Duarte e o meia Pereira, mas também contava com uma presença especial: Zé Roberto, meia que havia acabado de se aposentar com a camisa do Palmeiras. Ele jogou os 90 minutos da vitória que a Lusa teve por 2×0 sobre a Portuguesa Londrinense, com gols de Gian e Raul.
O destaque obtido pela competição foi tamanho que o extinto Esporte Interativo transmitiu a final da competição, jogo de fundo da rodada dupla do domingo. Na partida preliminar, a Portuguesa Santista superou a xará de Londrina por 3×2 em um confronto com duas viradas no placar. A partida decisiva entre as Lusas paulistana e carioca foi mais tensa: com um 0x0 no tempo normal, o título foi decidido nos pênaltis. Três cobranças erradas do lado da Portuguesa de São Paulo deixaram a decisão nos pés de Alexandro, atacante ex-America RJ, Botafogo e Ponte Preta, que converteu a batida decisiva e deu o título da primeira Copa Rubro-Verde para a Portuguesa da Ilha do Governador.
A má campanha da Portuguesa paulistana evidenciou problemas da equipe, mas o saldo de divulgação foi positivo. “A preparação do time estava muito ruim, o Guilherme Alves era o técnico e depois de algumas rodadas da Série A2 ele pediu demissão, houve atraso de salários… o grande atrativo de fato foi o Zé Roberto, a torcida foi ao Canindé para vê-lo, ele se emocionou quando visitou o museu e viu fotos da primeira passagem dele pelo clube”, relata Luiz.
Se a primeira Copa Rubro-Verde foi marcada pelo último ato de um ídolo, a segunda precisava de um novo atrativo. Desta vez, um clube internacional foi convidado: o Marítimo, equipe portuguesa da Ilha da Madeira e que veste rubro-verde como os outros participantes. Apesar do nome importante, nem tudo aconteceu da forma que a torcida esperava. “As notícias vinham muito pela diretoria da Portuguesa e os anúncios na época sempre eram “barulhentos”. Foi falado que o Marítimo iria disputar a Copa Rubro-Verde e quem cobria o clube começou a investigar, eu lembro que o Antônio Quintal do Paixão Lusa cantou a bola que o Marítimo não vinha com o time principal por causa do calendário e dos custos”, comenta Nascimento.
De fato aquela equipe que disputou a Copa Rubro-Verde não era o Marítimo. Gilberto Figueiredo, à época presidente de um clube participante da Série C do Campeonato Carioca, era o representante do clube madeirense no Brasil e declarou ao jornal O Globo que a equipe montada tinha o único objetivo de colocar em atividade jogadores observados pelo clube português. De Portugal, vieram dois atletas e o diretor técnico. A súmula da partida de estreia incluía nomes conhecidos nas divisões inferiores do futebol fluminense, como o goleiro Gustavo Pires (ex-Serrano e Olaria), o volante Welton Passarinho (ex-Santa Cruz RJ) e o lateral-esquerdo Caetano (ex-Duque de Caxias e Queimados). Os uniformes não continham a marca dos patrocinadores da equipe portuguesa e a segunda camisa sequer era a mesma que o Marítimo utilizava na liga portuguesa.
Com um participante a mais, a solução encontrada foi dividir o campeonato em dois grupos: um deles, disputado no Canindé entre as duas equipes paulistas, definiria para qual semifinal cada uma iria. O outro, disputado no Estádio Luso-Brasileiro entre a Portuguesa carioca (sede do grupo), a londrinense e o Marítimo, definiria outros dois classificados. Tanto as semifinais como a final – dessa vez, sem disputa de terceiro lugar – seriam jogadas na casa do clube da Ilha do Governador.
A competição começou com a partida Portuguesa RJ 4×0 Portuguesa Londrinense, disputada no dia 3 de janeiro. Dois dias depois, a equipe paranaense empatou em 2×2 com o Marítimo, que fechou o grupo perdendo por 3×0 para o clube carioca no dia 8. Apesar de não ter vencido nenhuma partida, o time português estaria nas semifinais do torneio e enfrentaria a Portuguesa paulistana, que superou a Portuguesa Santista nos pênaltis após um empate por 1×1 no tempo normal em jogo disputado no dia 7 de janeiro.
As quatro equipes classificadas se deslocaram até a capital fluminense para a disputa da fase final. As semifinais foram jogadas em rodada dupla no dia 11 de janeiro: às 15h, a Portuguesa carioca superou a xará santista por 3×1 sem muitas dificuldades; às 17h, o Marítimo surpreendeu e venceu a Portuguesa paulistana por 2×0. A finalíssima, disputada no dia 13 de janeiro, foi bastante tranquila para a Lusa carioca, que conquistou o bicampeonato ao vencer o Marítimo por 3×0 com gols de Rodrigo Andrade, Diego Maia e Denilson.
Após a conclusão da segunda edição, a competição não voltou a acontecer. “A Copa Rubro-Verde não foi um grande sucesso de público porque pegou todos os clubes numa fase ruim, com a Portuguesa do Rio numa situação um pouco melhor”, relembra Luiz Nascimento. No entanto, a má situação dos clubes não foi o único fator determinante. Luiz recorda que “a Portuguesa paulistana estava em um processo eleitoral de 2019 para 2020. Com um novo presidente assumindo o cargo no início do ano, a diretoria não conseguiria se comprometer a organizar a competição.” A pandemia dificulta ainda mais a realização de uma nova edição da Copa Rubro-Verde, que embora tenha sido realizada em poucas ocasiões marcou um espaço na memória dos torcedores e simpatizantes do futebol alternativo.