Embora soe interessante, Copa do Mundo a cada dois anos é a troca do certo pelo duvidoso
Encabeçado pelo ex-treinador francês Arsène Wenger, o projeto da mudança da periodicidade da Copa do Mundo ganha força com o apoio de ex-jogadores como Ronaldo e Materazzi e de várias federações nacionais. A principal competição de seleções do mundo passaria a ser disputada a cada dois anos, e não mais de quatro em quatro como é hoje. A possibilidade da mudança gera o questionamento sobre sua necessidade – e também sobre o real interesse dos dirigentes que fazem parte do esporte.
A proposta, que foi feita inicialmente pela Federação de Futebol da Arábia Saudita em maio desse ano, soa absurda aos ouvidos de boa parte dos torcedores. Além da Copa do Mundo, os torneios continentais como Copa América e Eurocopa também passariam a ser bienais. As datas reservadas para partidas de seleções ocorreriam normalmente e com a mesma quantidade de dias, mas concentradas em janelas mais espaçadas.
A divulgação da ideia, que será votada no próximo Congresso da FIFA em maio de 2022, coincide com um momento delicado para as finanças do futebol como um todo. Um dos maiores clubes do planeta e com maior potencial de captação de receita, o Barcelona, passa por uma séria crise financeira. Grande parte dos direitos televisivos de campeonatos e copas nacionais deve passar por uma redução em seus valores a partir do próximo contrato. Mesmo com a possibilidade de cada edição da Copa do Mundo ter um lucro menor de forma individual, a realização dobrada da competição pode gerar mais receitas dentro de um espaço de quatro anos.
Mas não se trata de um período difícil somente nas finanças do futebol: o interesse do esporte não é o mesmo de anos atrás. Competições desinteressantes, o excesso de jogos que o calendário atual proporciona e a concorrência com vários outros meios de entretenimento, sobretudo os digitais (e aqui entraríamos em um amplo leque de opções) são novos desafios que o futebol está encarando na década atual e que podem influenciar fortemente em como será a chegada dos jovens torcedores ao esporte.
Também vale lembrar que os principais artistas do espetáculo não são os que estão em uma sala fechada ditando os rumos do esporte. Quem está dentro do campo e que sofre na pele os efeitos de encarar 60 partidas por ano tem pouca voz sobre as mudanças no calendário e chegam estourados ao final da temporada quando disputam uma competição de seleções no período de férias. Um esporte profissional de alto rendimento é desgastante e os FIFA Legends, grupo de ex-atletas que endossa as propostas de mudança na Copa do Mundo, sabem disso melhor do que ninguém.
O projeto de Wenger parece interessante à primeira vista. Para muitos países, é uma chance de ouro de sediar ou participar de uma Copa do Mundo, sobretudo quando lembramos que a mudança no calendário seria válida a partir de 2026, primeiro ano em que a Copa do Mundo terá 48 seleções. Só que diante de tantos desafios que o futebol está encarando para se manter como um esporte popular e lucrativo, forçar uma mudança que diminuiria drasticamente o valor de sua principal competição não parece ser o caminho mais interessante, principalmente quando vemos o cenário a longo prazo. A Copa do Mundo ainda é uma competição que vale muito, que atrai o público mais alheio ao esporte e que possui uma aura muito característica, que destaca sua importância.
A FIFA pode parecer preocupada com o futuro do futebol e a integração de novas seleções no circuito, mas essa proposta de mudança escancara que as novidades não são elaboradas pensando em longo prazo nem no público. O esporte bretão tem muito a perder caso uma decisão dessa seja tomada puramente com base no possível resultado financeiro e político.