Leandro Melino foi um dos brasileiros que mais jogou no futebol do Azerbaijão

Leandro Melino foi um dos brasileiros que mais jogou no futebol do Azerbaijão
Foto: Gabriel Andrezo/FutRio

O Brasil é o país que mais exporta jogadores de futebol em números absolutos e o segundo que mais possui atletas atuando fora do país se levarmos em conta o tamanho da população. A maior parte dos jogadores aqui formados e que possuem interesse em jogar fora do Brasil sonham em atuar nas grandes ligas nacionais do futebol europeu. Como é esperado, nem todos alcançam esse objetivo e alguns vão para outras ligas, que embora sejam de menor repercussão não deixam de ser interessantes. Leandro Melino foi um dos brasileiros mais bem sucedidos a jogar no Azerbaijão, tendo atuado no país ao longo da década de 2000 e chegando a defender a seleção local.

Vivendo atualmente no interior do Rio de Janeiro, Leandro foi entrevistado pelo Contra-Ataque e falou sobre sua trajetória no futebol. Desde já o Contra-Ataque agradece a ele pela disponibilidade e dedicação para que a entrevista fosse realizada.

Quem é Leandro Melino?
Meu nome é Leandro Melino Gomes, nascido no Rio de Janeiro mas criado em Casimiro de Abreu, tenho 45 anos e me considero uma pessoa que teve uma oportunidade no futebol, mesmo sem ter feito base, talvez não tenha visto isso com tanta esperança de mudar de vida, mas foi algo que agarrei e vi com o tempo que conseguiria viver disso. Depois, houve uma transição para treinador, recebi um convite, tive nova oportunidade e agarrei-a.

Como foi sua trajetória antes de se tornar jogador profissional? O que te fez tomar esse caminho?
Eu comecei quando tinha 19 anos, quase 20, sem ter feito base em clube algum. Eu recebi um convite, pois jogava futebol amador, e me profissionalizei com 20 anos no Itaperuna, mas só jogava amistosos no time de juniores, não cheguei a atuar profissionalmente com essa idade. Quando completei 21 anos, firmei meu primeiro contrato profissional de fato com a Águia do Noroeste. Nessa época o Itaperuna estava na segunda divisão e meu primeiro treinador foi o Déo, um ex-zagueiro. Foi ele que me chamou, conversou, sou grato a ele até hoje pois foi graças a ele que pude começar minha carreira.

Quais foram os primeiros clubes de sua carreira?
Permaneci no Itaperuna entre 1997 e 1999, joguei um Carioca Série A2 pelo Macaé, cheguei a ir para o Botafogo de Ribeirão Preto mas não assinei contrato. Depois, fui campeão do Carioca Série A3 no Casimiro de Abreu em 2000. Joguei também no Figueirense, em 2001 joguei a Série A2 pelo CAEC, fui pra Cabofriense, fiquei um tempo lá, me transferi para o Joinville, depois fiquei seis meses no Naval 1º de Maio de Portugal, cheguei a ir para a China e não acertei contrato, de lá voltei pro Goytacaz, Americano, Rio Branco de Campos (todos esses entre 2003 e 2004) e foi no Róseo-Negro que eu conheci um empresário que possibilitou a minha ida para o Azerbaijão.

Como foi receber uma proposta de jogar num país tão distante como o Azerbaijão? Foi fácil se adaptar à cultura local?
Eu conheci no Rio Branco um empresário chamado José Luiz Galante e o Carlos Alberto Torres, à época técnico da seleção do Azerbaijão, o conhecia. O Capita tinha uma amizade com um presidente de um clube azeri e ele nos levou ao país para fazermos esse contato. O empresário estava vendo alguns jogadores do Rio Branco, ia levar o Ernani (lateral esquerdo ex-Vasco da Gama e que jogou pelo Campos em 2021) mas seguraram, em uma semana nós fomos. O Carlos Alberto já estava por lá, um cara espetacular, nos ajudou bastante. Depois eu e outros brasileiros fomos pra seleção, nós nos naturalizamos mas o treinador da seleção azeri já era outro.

Quanto a adaptação, vou te falar o meu caso. Para mim, essa questão da comida, cultura, etc. e tal era o meu sonho, via jogadores em outros países e no meu caso não houve problema nessa adaptação, cheguei a perder peso mas não foi um sofrimento, tudo para mim estava bom somente por estar lá. Outros jogadores tiveram dificuldade com comida, naquela época a população local comia muita carne de carneiro, não tinha feijão, mas não foi nada que impedisse a adaptação. O frio e a neve também foram fatores que complicavam a adaptação, mas sem nenhum sofrimento. Outros jogadores que tinham família, filhos, interpretavam essa situação de outra forma.

Você atuou no Baku FC (pronuncia-se Baquí), que foi campeão nacional na temporada 2005-06. Como foi conquistar o título da liga local e atuar nas fases preliminares das competições da UEFA? Alguma viagem te marcou?
Ali foi o melhor momento de minha carreira, eu me sentia na seleção brasileira. Tinha que passar pelas fases preliminares e tudo mais, mas só de estar lá já era uma vitória. A possibilidade de viajar para outros países (o Baku enfrentou o eslovaco Žilina e o georgiano Sioni Bolnisi entre 2005 e 2006) foi muito bacana, uma experiência que não vivi nada igual. Quando estive em Portugal foi a primeira vez que saí do Brasil, mas no Azerbaijão foi um presente de Deus, as pessoas do interior vivem uma vida diferente do que a gente está acostumado, uma experiência que guardamos para sempre. Na seleção nós viajávamos para países árabes e a cultura deles era muito fechada, isso foi algo que também me marcou.

Baku FC champions 2005-06
Foto: acervo pessoal de André Ladaga

Em sua ficha no site OGol, consta que você foi naturalizado azeri. Como surgiu a possibilidade da naturalização? Quantas vezes você foi convocado? Houve alguma influência por parte do Carlos Alberto Torres, que foi técnico da seleção local por um período?
Nós ficamos dois anos jogando por lá, o Baku ganhou a liga nacional no primeiro ano, e começaram a naturalizar alguns atletas russos e ucranianos. Aí veio o primeiro brasileiro, que era o André Ladaga (zagueiro ex-Madureira e Vasco da Gama), e assim surgiu a oportunidade. Naturalizaram uns três, quatro brasileiros e na época para se naturalizar azeri você precisa viver no país por dois anos.

O treinador que mais me marcou foi o Berti Vogts. Já estávamos acostumados com os treinadores de lá, mas o profissionalismo dele, as mudanças que ele promoveu… conseguimos um resultado impossível, uma vitória de 1×0 em cima da Finlândia. Ele levou a comissão técnica da Alemanha para lá e foi marcante, os clubes locais aprendiam com ele a questão do profissionalismo. Ele me marcou até como jogador, porque eu tive outra visão de como era o futebol profissional em questão de atrasos e etc. e com ele eu vi que tem que ser desse jeito.

Seleção do Azerbaijão
Leandro Melino é o quarto agachado da esquerda para a direita (foto: acervo pessoal de André Ladaga)

Após anos de sucesso fora do Brasil, porque você retornou ao nosso país?
Fiquei cinco anos e meio no Azerbaijão e eu vim motivado porque não tive escolha, tive que tomar uma decisão pela minha família. Eu lembro que os dirigentes não acreditaram, na época jogava no Karvan, estava com 32 anos, achava que iria ficar lá pelo resto da vida, fiz muitas amizades, o país estava crescendo e “do nada” eu conversei com o presidente após seis meses de contrato e falei a verdade, tive que vir por conta da família, não estava tendo mais alegria em ficar por lá.

Cheguei no Brasil e liguei no Americano, Luciano Viana (um dos dirigentes do Glorioso entre 2009 e 2010) é muito amigo meu, joguei junto dele em 2003, acompanhava o Americano e disse que estava procurando time no Brasil, queria voltar e jogar uns dois, três anos. O Luciano falou que poderia vir, fui avaliado, fiquei esperando minha liberação por metade do campeonato mas não fiquei preocupado porque já tinha tomado a decisão de vir. Depois acabei tendo a chance de ir pro ASA, não fui, e posteriormente cheguei a jogar no Sampaio Corrêa do Maranhão.

Lembro de um dia, um jogo entre Vasco e Americano em 2010 (disputado em São Januário e com vitória do time visitante por 3×2) – foi um milagre aquele dia, disputávamos três jogos em uma semana, brigávamos para não cair, nós tínhamos que ganhar dois jogos e ganhar um ou empatar um, se perdêssemos dois seguidos iríamos cair e aconteceu aquele jogo. É aquele dia que dá tudo certo e no fim o time não foi rebaixado.

Como foi o final de carreira?
Fui parando de jogar porque eu vim embora pela minha família, mas voltei porque estava com a chance de jogar por mais um tempo. Joguei no Sampaio Corrêa de Saquarema, no Serra Macaense, estava começando a estudar, algumas pessoas falaram para eu fazer uma faculdade, corri atrás, completei o segundo grau, peguei a bolsa, aquele negócio todo, aí me formei e hoje trabalho na prefeitura de Casimiro de Abreu. Foi dolorido parar de jogar, você gosta de fazer uma coisa e precisa interferir, de repente poderia ter prolongado mais um tempo.

O futebol azeri tem um nível muito distante do futebol brasileiro?
Hoje eu não sei como está, tenho contato com muitos jogadores da minha época, antes haviam mais times com estrutura, hoje são poucos que ganham e disputam os campeonatos internacionais. Antes eram mais times, o nível das equipes menores era fraco mas o nível dos quatro maiores era bem diferente. Na época o Baku ressurgiu, contratou muitos brasileiros e conseguiu ganhar o título.

Anos depois de sua aposentadoria, você voltou a trabalhar com futebol, mas fora das quatro linhas: o Casimiro de Abreu estava retornando ao profissional e você foi o primeiro treinador desse período. Como que foi aquele período? Havia muita responsabilidade nessa posição?
Responsabilidade mesmo de ganhar, pressão, nenhuma. O presidente do clube na época montou alguma coisa do nada e aí ele me convidou, eu trabalhava na prefeitura, foi uma coisa sem muita pressão, sem muito apoio de todo mundo. Foi mais ele que quis montar o time, um pouco diferente das outras vezes que o CAEC esteve em atividade. Só que o time foi vencendo, ganhando respeito, se estruturando, mas não deixava de ser algo complicado, os próprios jogadores pagavam a transferência, tinha toda aquela questão de borderô… às vezes a gente treinava na sexta e não sabia se ia jogar no domingo.

Leandro Melino Gomes
Foto: divulgação/Casimiro de Abreu EC/Facebook

Para mim foi muito bom, só tinha tido uma experiência como auxiliar técnico no Sampaio Corrêa de Saquarema – o Rômulo (presidente do clube) era amigo meu e me convidou para ser auxiliar. Depois o Casimiro de Abreu conseguiu o acesso, talvez eu pudesse ter uma oportunidade mas trabalhava na prefeitura, nós nem éramos remunerados pelo clube, a gente trabalhava na prefeitura e dava o treino no final da tarde.

Eu nem tinha como recusar um convite desse, até pra ajudar o futebol, minha vida foi pautada ali dentro, às vezes as pessoas viam que “o CAEC subiu” e foi uma experiência profissional, o Joelson (presidente do clube) gostava de fazer, mas não tinha dinheiro sobrando e ele queria ter um pouco mais de estrutura, mas era difícil.

Depois de todo esse período intensamente dedicado ao futebol, o que você faz hoje? É difícil “virar a chave” e perceber que chegou a hora de parar?
Na verdade o meu maior sonho é de voltar ao futebol. Minha vida em um ano deu um giro de 180 graus, hoje eu tenho mais possibilidades, fiz um currículo nessa esperança de acontecer alguma coisa. Hoje eu trabalho na secretaria de esportes de Casimiro de Abreu e dou aula numa escolinha da Igreja Batista, mas se surgisse a oportunidade, com a situação da família hoje, fica mais fácil para eu ir. Hoje é diferente e já aposto nisso. A chance de ser treinador é mais ou menos a mesma coisa da minha carreira de jogador, se aparecer uma oportunidade irei agarrar pois a vontade é grande.

Você daria algum conselho para quem pretende se tornar um jogador profissional?
Pelo que eu estou vendo, até porque meu filho de 11 anos também joga, dou um conselho como se fosse para um filho: na minha época não existia esse leque de oportunidades de você chegar muito rápido a um time grande, mas a demanda, a concorrência é muito maior do que antigamente. Sonhe com os pés no chão, faça de tudo mas não deixe nada em segundo plano, não deixe os estudos de lado. Já vivi histórias de meninos de 10 anos que fizeram 20 e não alcançaram o objetivo, é preciso pensar bem antes de apostar muito em uma coisa e se frustrar.

É preciso estar preparado para tudo, muitos jogam bem mas depende da vontade de Deus, e saibam agarrar a oportunidade como se fosse a única coisa, mas não deixem ser só esse caminho.

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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