Apesar da nova temporada, o futebol argentino segue com os mesmos problemas
A Copa de la Liga Profesional marcou o início oficial da temporada 2022 do futebol argentino. Disputada pelas 28 equipes que integram a elite local, o torneio foi criado como um “tapa-buraco” em 2019 para completar o número de partidas disputadas pelos clubes da Superliga Argentina. Esse é um dos vários problemas de organização que atingem o futebol argentino todo ano, e com a morosidade dos dirigentes locais aliada à péssima situação da economia argentina, trata-se de uma situação que parece não ter um final satisfatório tão cedo.
Para entendermos melhor como tudo isso foi criado, precisamos retornar um pouco no tempo, mais precisamente a 2014. A AFA (Associação de Futebol Argentino) decidiu, em acordo com os clubes, expandir a Primera División de 20 para 30 participantes. O futebol local, que era disputado alinhado com o calendário das ligas europeias, passou a adotar o formato anual utilizado no Brasil. O plano de expansão não durou muito e a ideia era retornar aos 20 participantes na Primera División até a temporada 2022-23.
Na temporada 2019-20, o planejamento de redução foi descartado e o campeonato voltou a inchar. A primeira divisão argentina, que na época tinha 24 participantes, atualmente abriga 28 clubes após duas temporadas com o rebaixamento cancelado. A Primera Nacional, segunda divisão do futebol argentino, tinha 25 participantes na temporada 2018-19 e atualmente possui 37 integrantes. A inconstância no número de equipes e nas fórmulas de disputa é um sinal muito claro de que o futebol argentino segue competitivo a duras penas, muito mais pela força dos clubes locais do que por méritos da AFA ou do próprio país.
É uma receita pronta para afastar o torcedor do futebol local. Baixo nível do esporte praticado, dirigentes que utilizam política para fazer futebol, regulamentos confusos e que chegam ao absurdo de colocar 37 times para jogarem entre si em turno único. Os méritos dessa bagunça administrativa recaem principalmente sobre o presidente da AFA, Chiqui Tapia, mas não se pode isentar os dirigentes dos clubes que permitem que esse tipo de insanidade aconteça. E mesmo com os campeonatos extremamente inchados, não há nenhum plano de redução das divisões a curto/médio prazo.
A bagunça promovida desde o final do mandato de Julio Grondona (falecido em 2014) é o problema mais aparente do futebol argentino, mas não é o único fator que influencia na atual situação dos clubes locais. O contrato de TV, renovado nos primeiros dias de 2021, quase sempre esteve bem defasado e sempre foi fortemente influenciado pelo “humor” do governo argentino. Sem algum indício de estabilidade da legislação, torna-se mais complicado manter valores interessantes para os clubes locais, e isso faz a diferença em um futebol cada vez mais dependente dos contratos televisivos.
Outro problema existente, mas que não afeta tanto as principais equipes, é a diferença de tratamento entre os clubes filiados diretamente à AFA e os chamados clubes do interior, que disputam competições como o Torneo Federal A e o Torneo Regional Federal. Mesmo clubes novos da região metropolitana de Buenos Aires são obrigados a se filiarem ao Conselho Federal, braço da AFA que coordena centenas de equipes. As viagens de menor distância e o melhor repasse geram situações curiosas, como a de um time desejar fazer a mudança da terceira divisão do interior para a quinta divisão metropolitana mesmo sabendo que desceria duas divisões.
Esse é um problema recorrente do futebol portenho. Em que pese o fato das equipes que disputam as divisões organizadas diretamente pela AFA serem mais tradicionais, a diferença de visibilidade que as competições possuem é gritante e dificulta bastante a possibilidade de um clube do interior ascender. Isso ficou bem evidente quando a AFA expandiu a Primera Nacional de 25 para 32 participantes em 2019: dos sete promovidos, cinco eram da capital e apenas dois do interior.
Apesar da complexidade do atual estado do futebol argentino, agravada pela situação econômica do país, trata-se de uma situação que pode ser revertida. Com o início da nova temporada, poderemos ver se os dirigentes realmente estarão dispostos a mudanças ou se estão satisfeitos com o cenário de hoje. O torcedor argentino não some dos estádios por ser apaixonado por seu time, mas nem por isso deixa de merecer respeito.