10 motivos para acompanhar o retorno da Premier League
Se passaram 96 dias desde que a interrupção da temporada, decidida em comum acordo entre a FA, a Football League, a liga feminina e a Premier League, aconteceu. Após 80 anos, uma temporada era suspensa na Inglaterra. Se lá atrás o motivo foi a II Guerra, agora houve uma outra razão tão justificável quanto: uma pandemia mundial, que atingiu oficialmente quase 300 mil britânicos e exigiu que ligas ao redor do mundo parassem suas atividades. Na terra do Big Ben não foi diferente.
Hoje, temos duas diferentes situações na Inglaterra. Se debate a viabilidade do futebol de portões fechados da 3ª divisão para baixo, devido a alta porcentagem de receita proveniente de bilheteria e o chamado “match day”, englobando todas as receitas de um dia de jogo. Não é a mesma realidade das duas principais divisões, com contratos de transmissão internacional bem feitos e duas ligas bem organizadas. Com uma possibilidade maior de sobrevivência devido a essa fonte de renda, todos os clubes da Premier League e da Championship retornam a campo no próximo final de semana. Com jogos atrasados, a Premier League retorna oficialmente nesta quarta-feira, 17 de junho.
Sabendo do impacto que a Premier League tem em nosso país, selecionamos alguns pontos que certamente serão muito interessantes aos espectadores e que darão um caminho a quem quiser acompanhar com mais afinco o retorno do Campeonato Inglês.
O título do Liverpool
Os mais piadistas certamente mencionarão o fato do Liverpool ser mais líder do que nunca justo em um ano que parece ter virado de cabeça para baixo. Apesar do desempenho oscilante nas últimas partidas antes da paralisação, parece que a espera de 30 anos do lado vermelho de Liverpool finalmente terá um fim. A campanha absurda do primeiro turno deu um conforto aos Reds que dificilmente se repetirá no mundo do futebol.
Como sempre, uma equipe sólida. Desde a temporada da conquista da Liga dos Campeões, o time treinado por Jürgen Klopp mantém um estilo de jogo bem característico e jogadores extremamente entrosados, possibilitando lances improváveis como o escanteio de Alexander-Arnold contra o Barcelona ou ataques rápidos que pegam qualquer defesa de surpresa, sempre com a presença de Mané, Roberto Firmino e Salah.
Pelas circunstâncias atuais, teremos algo contido, mas ainda assim uma grande festa, cuja entrega de faixas pode vir justamente contra o Manchester City, clube mais hegemônico dos últimos anos na Inglaterra.
Qual será o interesse do Manchester City?
Sabemos que para você fazer sucesso no mundo do futebol europeu, é muito necessário participar de forma contínua da Liga dos Campeões, e ainda assim sem fazer feio. Por mais que muitos torcedores mais tradicionais torçam o nariz, é um papel que o Manchester City vem fazendo de forma bem digna nas edições mais recentes da Champions. Mesmo sem a chance de título desde a virada de turno, ainda era possível ver um objetivo doméstico.
Mas fevereiro chegou, e com notícias nada boas para os Citizens. Uma punição da UEFA suspendeu o Manchester City de competições europeias por duas temporadas, permitindo o retorno somente na temporada 2022-23. O apelo feito pelo clube ao TAS ainda será julgado, e enquanto uma decisão não sai, a dúvida entre os torcedores do Manchester City paira no ar. Seria um duro golpe com o impacto que haveria na audiência estrangeira que acompanha o clube.
A temporada não acabou para o clube pois ainda existem outras duas competições em jogo, a Copa da Inglaterra e a própria Champions League. Em uma, o Newcastle United e mais dois jogos até a taça; em outra, o jogo de volta contra o Real Madrid e a possibilidade de campo neutro até a final. Seria curioso ver o atual campeão da Liga dos Campeões sem poder defender o título do torneio, mas não é uma possibilidade totalmente descartada. Só falta o City fazer a parte dele.
O Leicester City manterá o ritmo?
Já se foram quatro anos desde o sonho de princesa que se tornou realidade. O título da Premier League veio e muita coisa mudou desde então: a participação na Liga dos Campeões aconteceu e com uma grande campanha para uma zebra. Claudio Ranieri passou por outros três times antes de chegar ao clube atual, a Sampdoria. O então dono do clube, Vichai Srivaddhanaprabha, já não está mais entre nós. Desde 2016 a base foi desmontada e o clube não voltou mais a um campeonato continental.
A perspectiva de se tornar um time de meio de tabela já era boa após analisar que a última vez que os Foxes conseguiram esse feito foi no final da década de 1990. Ninguém nega uma estabilidade, mas e quando ela vem acompanhada de outra grande campanha? É o atual contexto. Quem diria que Brendan Rodgers, depois de anos sem sucesso no Liverpool, voltaria aos gramados ingleses e teria uma boa campanha logo em sua primeira temporada completa desde então.
Mas não podemos deixar os louros somente com o treinador. Um trabalho contínuo de evolução do elenco trouxe bons frutos na atual temporada. James Maddison já havia se acostumado com o estilo de jogo do clube e ainda ganhou a companhia de Youri Tielemans na construção de jogadas, um tipo de jogador que mudou de forma sutil o modo de jogo do Leicester. Com oito pontos de vantagem para o quinto colocado e 11 para o sexto, o retorno à Champions não está tão distante.
As zebras e a vaga na Liga Europa
Há mais ou menos dez anos vemos a construção de um G6 na Inglaterra formado pela dupla de Manchester, os três londrinos e o Liverpool. Com uma ou outra escorregada, algum clube como Southampton ou Everton aprontava e incomodava. Na atual temporada, são outros que estão dando as cartas.
De um lado, o trabalho do Wolverhampton. Nós nem sabemos se realmente podemos considerá-los como uma zebra genuína, afinal, desde a entrada do Grupo Fosun (e de Jorge Mendes) no controle do clube, houve uma evolução bem clara dentro dos Wolves. A “invasão hispano-portuguesa” trouxe ótimos resultados, recolocando o Wolverhampton nas competições europeias após quase 40 anos – e logo na temporada de retorno à Premier League. Pela história recente do clube, que chegou a passar pela terceira divisão, não podemos deixar de lado o fator surpresa.
Do outro, uma zebra autenticada e com um histórico semelhante. Um clube que havia passado recentemente pela League One e que, ao chegar na Premier League, surpreende logo no primeiro ano dentro do escalão principal. Não vai muito além disso, pois o Sheffield United transparece a aura do time britânico: cinco na defesa, uma união de ingleses com escoceses e irlandeses. Realmente o repertório não é muito criativo, mas a receita vem dando certo. As entradas de Lys Mousset como substituto vem dando um gás a equipe. Querendo ou não, também se joga futebol assim.
Em circunstâncias normais, Wolves e Sheffield, sexto e sétimo na tábua de classificação, estariam brigando por uma vaga na Liga Europa, através da sexta colocação. No entanto, com a punição do Manchester City e a possibilidade da vaga da Copa da Inglaterra ir para a liga, até o oitavo colocado seria premiado com um lugar na Liga Europa, criando o sonho dourado para ambos de uma temporada em competições internacionais. Só não está muito assegurado por outros fatores que serão citados ao longo do texto.
A dupla londrina correndo por fora
Passamos por sete colocações da classificação, citamos Liverpool, Leicester, as duas surpresas, passamos por Chelsea, a dupla de Manchester, mas não fizemos menção a Arsenal e a Tottenham. Uma temporada fora dos padrões para ambos, que podem ficar de fora das competições europeias após 10 (no caso dos Spurs) e incríveis 24 anos, um recorde construído muito pelo trabalho de Arsène Wenger nos Gunners.
Ambos passam por uma temporada turbulenta, com dois treinadores ao longo dela. O lado vermelho de Londres começou com Unai Emery e mudou para Mikel Arteta, embora não tenha se sentido muita diferença dentro de campo. Por mais que Aubameyang e Gabriel Martinelli tenham seus momentos de brilho, não se vê um Arsenal convincente e consistente nos jogos. Mesmo com uma invencibilidade de oito jogos na Premier League, a eliminação para o Olympiacos na Liga Europa foi uma amostra da insegurança do time.
O Tottenham começou com Mauricio Pochettino, treinador de longa data do clube e que foi um dos principais nomes no vice-campeonato da última Liga dos Campeões. A relação desandou com uma campanha bem fraca na Premier League e uma goleada de 7-2 sofrida em casa para o Bayern de Munique. A diretoria trouxe José Mourinho, um velho conhecido da Inglaterra, e o desempenho na liga melhorou, mas sem muitos sinais de evolução. Na Champions League, um time extremamente sem criatividade sofreu duas derrotas para o RB Leipzig e acabou eliminado.
Com situações parecidas, o problema não parece ser somente dentro de campo. Mesmo com a lesão de Harry Kane, ambos os times tem bons nomes dentro de campo. Questiona-se muito a importância dada pelos donos de cada clube. Stan Kroenke segue passando a impressão à torcida do Arsenal de que não parece se importar muito com o clube, enquanto Daniel Levy segue com a fama de austero, mas com uma razão bem aparente: o novo estádio do clube, que passou a ser utilizado de forma integral na atual temporada.
Passar uma temporada fora das competições internacionais seria um fracasso para ambos os clubes, mas a provável punição do Manchester City e a extensão dos elencos pode ser a salvação para a dupla londrina. Só será preciso mostrar dentro de campo a justificativa para merecer a vaga.
Haverá gás para Burnley e Everton?
Temos aqui duas equipes que disputaram a Liga Europa recentemente mas estão oscilando entre uma campanha digna de vaga e uma campanha que deixa aquele gosto da “quase conquista da vaga”. Os Clarets são comandados por Sean Dyche desde 2012 e foi sob a batuta dele que o clube conseguiu uma vaga na Liga Europa, a primeira participação continental em mais de 50 anos. Todas as outras temporadas do Burnley na Premier League foram de briga contra o rebaixamento, mas a atual vem mostrando uma grata evolução. O clube acumulou sete jogos sem perder até a paralisação e a receita de manter um time essencialmente britânico parece dar frutos novamente.
Outra evolução que pode ser destacada, e arrisco dizer que é a maior de toda a Premier League, é a do Everton. Marco Silva foi demitido dos Toffees após uma goleada de 5-2 sofrida contra o maior rival em Anfield, deixando o time na zona de rebaixamento. A chegada de Carlo Ancelotti renovou os ares na equipe. A dupla de ataque formada por Richarlison e Calvert-Lewin teve sua importância reafirmada e é um dos motivos da evolução do time, que nem pensa mais em rebaixamento e agora pode, quem diria, sonhar com a Liga Europa.
A receita já conhecida do Burnley, que inclui um banco de reservas não muito vistoso, deve complicar sua situação na atual temporada. A tendência é que o Everton, por ter um plantel mais reforçado, consiga mais fôlego para seguir brigando até o final da temporada. A tabela de ambos os clubes é bem similar, com confrontos bem distribuídos entre a parte superior, inferior e a meiuca da classificação. Como sempre, a provável punição do Manchester City pode ser uma injeção de ânimo para ambos os clubes, mas o Everton larga na frente nessa briga que pode resultar em vaga na Liga Europa.
A briga contra o rebaixamento
Mesmo tendo mais clubes com chances matemáticas, são seis os principais concorrentes na luta contra o descenso. Em sua maioria, são clubes que foram promovidos há poucos anos, alguns tiveram um pequeno sucesso e agora estão na parte de baixo da tabela. A única exceção é o West Ham, mas que não faz o papel que merece há um bom tempo. A mudança para o Estádio Olímpico de Londres parece ter complicado a vida dos Hammers.
O West Ham tem uma das situações mais tranquilas, com três confrontos diretos nas rodadas finais e o menor número de clubes que estão entre os nove primeiros, somente quatro. Bournemouth e Watford estão em situação semelhante, pois ambos também não integram a zona de rebaixamento, mas terão menos confrontos diretos do que o oponente londrino.
As piores situações são as de Norwich City e Aston Villa. Os Canários estão seis pontos atrás do 17º e, embora tenham um jogo a mais, enfrentarão cinco dos nove primeiros colocados. O Aston Villa tem mais pontos, mas não terá vida fácil: enfrentará cinco dos sete primeiros e o Arsenal. Mesmo com um time mais ou menos ajeitado e um vice-campeonato da Copa da Liga, o rebaixamento parece ser um caminho certeiro para o clube de Birmingham, para a tristeza de sua apaixonada torcida.
A briga de foice aparece mesmo entre o 15º e o 18º posto. Quatro times de nível semelhante, com tabelas parecidas (o Bournemouth é o único sem confrontos diretos) e pontuações bem próximas. Promessa de uma boa briga contra a queda, algo que não se via há alguns anos.
A luta pela artilharia
Jamie Vardy lidera o ranking com 19 gols, seguido de Pierre Aubameyang com 17 e Sergio Agüero e Mohamed Salah, ambos com 16. Sem dúvida, falamos de quatro jogadores extremamente decisivos para suas equipes e que irão fazer essa briga particular se aquecer. Dois deles, Agüero e Salah, estão muito bem servidos por líderes de assistências em suas respectivas equipes e certamente terão essa injeção de ânimo.
Como será a reação as cinco substituições?
Uma novidade criada para tentar mitigar os problemas da ausência de jogos e preparação física é a introdução do máximo de cinco substituições por jogo, que a princípio irá perdurar até o final da atual temporada. Com mais chances de troca, as equipes que tem um banco mais qualificado certamente sairão na frente. A preocupação fica para os clubes de menor investimento, que muitas vezes tem um banco de qualidade distante se comparada a do time titular. Será um fator extremamente importante na briga por competições europeias.
Como será a Premier League sem público?
Um dos clichês que existe desde a criação da Premier League: a torcida britânica passou a ser fria e sem ânimo. Silêncio na maior parte do jogo, comemoração somente nos gols e lances perigosos. Em partes, não deixa de ser verdade. A motivação das torcidas britânicas se esvaiu, muito por conta do Relatório Taylor, trazendo uma semelhança cada vez maior com a nossa Turma do Amendoim.
Mas e o fator casa? Nisso a presença de torcida influi bastante. Vimos, nas últimas semanas, uma avalanche de vitórias dos visitantes, uma mudança muito grande de panorama se comparado ao que existia antes da paralisação, ainda com presença de torcedores. Erling Haaland, atacante do Borussia Dortmund, já havia declarado que “é uma m… jogar sem público” antes mesmo da paralisação – e não é lobby para ficar com uma boa imagem perante a torcida.
Isso faz total diferença no rendimento de um jogador, passando até mesmo a impressão de um simples jogo treino. Provavelmente os sistemas de som serão utilizados para transmitir a impressão de estádio cheio, e assim tentar minimizar os efeitos da ausência dos torcedores, que promete ser bem impactante nos clubes de estádio pequeno e torcida participativa.