Conheça o Non-League Day, iniciativa inglesa voltada para dar destaque às equipes menores

Conheça o Non-League Day, iniciativa inglesa voltada para dar destaque às equipes menores
Foto: divulgação/York City FC

Tradicionalíssimo, o futebol inglês de clubes é o mais antigo do mundo. A Copa da Inglaterra completou 150 anos de existência em 2022 e a liga nacional foi formada em 1888, completando assim 135 anos de existência em abril. Embora tenha uma história bastante relevante, o grupo de clubes que participou do futebol profissional inglês sempre foi muito restrito, mas nem por isso as equipes deixavam de surgir. Se não podiam estar entre as 92 equipes das quatro principais divisões, os clubes disputavam campeonatos regionais e mantinham a cultura do futebol forte mesmo longe dos grandes centros. Foi com base nesse pensamento que o Non-League Day surgiu em 2010 e persiste até hoje, com sua edição de 2023 tendo sido realizada nesse sábado (25).

A cultura do “Non-League” existe há mais tempo e há uma explicação lógica para isso. No ato de sua formação em 1888, a Football League continha somente 12 integrantes – deles, somente o Accrington não existe mais (extinto em 1896), mas a cidade possui um clube em atividade atualmente, o Accrington Stanley. Com sucessivas expansões, a Football League chegou ao número de 92 clubes nas quatro primeiras divisões em 1950, uma quantidade que resiste até os dias de hoje. A entrada e saída de clubes desse grupo não era por acesso e rebaixamento, mas sim após uma eleição na qual os 92 integrantes da Football League tinham direito a voto e os quatro últimos clubes da quarta divisão, junto a clubes candidatos das ligas amadoras, podiam ser votados. Entre 1950 e 1987, quando a liga abandonou esse sistema e adotou o acesso e rebaixamento em definitivo, apenas cinco clubes não conseguiram ser reeleitos.

Até os dias atuais a “imobilidade” entre a quarta e a quinta divsões existe – apenas dois clubes são rebaixados e promovidos a cada temporada. Embora existam 92 clubes totalmente profissionais, outras centenas de equipes semiprofissionais ou amadoras existem em todo o país. Isso explica o “Non-League” – equipes que não fazem parte da liga, não são completamente profissionais e disputam a quinta divisão ou algum nível abaixo. Podemos mensurar a quantidade de equipes com os dados da Copa da Inglaterra, que possui 640 clubes “Non-League” e que integram da quinta à décima divisão inglesa. São equipes que não possuem a mesma mídia dos pares que atuam na Premier League ou Championship, muitas não levam nem 500 pessoas aos jogos como mandante e várias são sustentadas com o trabalho de alguns poucos torcedores abnegados que desejam ter uma equipe em sua região.

É aqui onde surge o Non-League Day em 2010. James Doe, torcedor do time de segunda divisão Queens Park Rangers, estava viajando para acompanhar um amistoso de pré-temporada de seu clube do coração contra o Tavistock, que disputava a nona divisão, quando teve a ideia do Non-League Day. A iniciativa ganhou seguidores ao longo dos anos e atualmente possui amplo suporte do futebol inglês como um todo. Como o Non-League Day é sempre marcado para uma data FIFA, os jogos das equipes amadoras não coincidem com as partidas de Premier League e Championship, que estão temporariamente paralisadas. Isso permite uma maior divulgação das partidas, levando a públicos mais relevantes e um envolvimento considerável da sociedade local com cada clube de pequena expressão. O texto disponibilizado no site da iniciativa é um prato cheio para quem acompanha as equipes menores:

Vários clubes non-league são quase exclusivamente conduzidos de forma voluntária, com o dinheiro das bilheterias sendo direcionado regularmente às categorias de base, projetos e instalações que serão utilizados por toda a comunidade. O nível das partidas non-league pode não ser o mesmo visto no Etihad Stadium ou Stamford Bridge, por exemplo, mas existem outras experiências, nas quais o clube menor sempre vencerá tranquilamente.

A grande maioria dos jogos ainda inicia às 15h, os preços dos ingressos são condizentes com a realidade, você pode tranquilamente ver o jogo em pé (e beber!) em qualquer lugar da arquibancada e sempre terá uma calorosa recepção por parte das pessoas que fazem o clube andar por amor ao esporte.

Independente se você é um torcedor de um time da Premier League ou Championship sem jogos para assistir, ou um torcedor da League One ou League Two que não conseguirá viajar para assistir a seu clube fora de casa, ou mesmo alguém que tem a curiosidade de saber o que a equipe local tem a oferecer, sempre há algo interessante para todos.

A grande divulgação na imprensa inglesa permite que histórias saborosas cheguem ao grande público. Afinal, não existem muitos jogadores ou clubes que podem se dedicar exclusivamente ao futebol. Com a exceção de pouquíssimos jogadores, geralmente os integrantes dos elencos de equipes mais tradicionais como Wrexham, Notts County e Chesterfield, os atores do espetáculo jogam futebol no tempo livre e possuem outra ocupação. Por exemplo, o meio-campista Matt Robinson, registrado no Dagenham & Redbridge, da quinta divisão, atende pelo apelido Kamakaze no cenário de rap britânico. Sim, ele também vive da música, mas confirma que a maior parte do seu soldo mensal vem do esporte.

Mesmo os grandes nomes do futebol inglês também têm seu espaço no universo non-league. É o caso de Peter Taylor, que treinou o Leicester City na Premier League em 2000 e conquistou cinco acessos em sua carreira como treinador. O desempenho nas Raposas o garantiu uma partida como treinador da seleção inglesa, uma derrota para a Itália que aconteceu após a saída de Kevin Keegan. Hoje, ele treina o Maldon & Tiptree, da oitava divisão. Antes dos Marteleiros, Taylor treinou o Dagenham & Redbridge e o Welling United, da sexta divisão.

Além da divulgação por arte da grande imprensa, os clubes profissionais também fazem sua parte. Southampton e Crystal Palace foram alguns dos clubes que divulgaram as partidas que aconteceram no sábado próximos aos seus respectivos estádios. O West Ham divulgou, em suas redes sociais, o depoimento do titular Jarrod Bowen sobre sua passagem no início da carreira pelo Hereford United. Bowen já chegou a ser convocado por Gareth Southgate para a seleção inglesa, fazendo companhia a outros jogadores com experiência no non-league, como Jordan Pickford (ex-Darlington e Alfreton Town) e Callum Wilson (ex-Kettering Town e Tamworth).

O site do Non-League Day apresenta um mapa dinâmico em que o torcedor pode inserir a localização com o GPS de seu dispositivo e encontrar as partidas mais próximas. Além do mapa, a iniciativa também traz incentivos à detecção do câncer de próstata e à campanha Kick It Out, voltada a combater o racismo nos gramados britânicos. Embora o foco seja levar mais público aos pequenos estádios, a campanha também dá um show fora das quatro linhas. É uma iniciativa bastante válida e que pode ser repetida até aqui no Brasil, pois mesmo com o fator distância temos centenas de clubes menores que merecem algum destaque seja pelo impacto na comunidade ou pelo entretenimento gerado com as partidas.

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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