Leonardo Cantarelli pôs no papel uma história que parecia ter saído do imaginário popular
Bendito foi o dia que o perfil do extinto site Impedimento no Twitter mencionou que um livro sobre a excursão do Grêmio São-carlense fora escrito. Era uma história que finalmente deixaria o imaginário popular e passaria a ser melhor explicada no papel.
A internet permitiu a profusão daquela surrealidade que parecia ser uma mera história de bar. Da mesma forma, ela também permitiu que o livro chegasse a diferentes cantos do país após Leonardo Cantarelli ter documentado para a posteridade o que não parecia ser tão factível. E é com ele que estamos aqui hoje.
Quem é Leonardo Cantarelli?
Meu nome é Leonardo Pereira Cantarelli, tenho 35 anos, sou jornalista formado na PUC Campinas e autor de dois livros, “1997: O ano em que a Europa conheceu o Grêmio São-carlense” (2019) e “Biriba: contos e causos de uma lenda do esporte brasileiro e do tênis de mesa mundial” (2020).
Como que foi sua trajetória até escolher o curso de jornalismo e se formar nele?
Na verdade, foi a junção de duas coisas: quando eu era criança, eu sempre gostava de escrever, de ler, e eu falava que ia ser escritor quando crescer, sempre dizia isso. Depois, comecei a gostar muito de ler os jornais e também de esportes, sempre pratiquei tênis de mesa, gostava de assistir futebol, cheguei a fazer natação por um tempo, sempre tive esse contato.
Chegou uma hora que eu pensei: “bom, na faculdade eu vou fazer jornalismo e vou focar no lado esportivo”, e aí durante o curso de jornalismo eu cheguei a fazer estágios em assessorias de imprensa não esportivas, me formando em 2009. Depois, trabalhei em um jornal de São Carlos e posteriormente eu fui pra Porto Alegre, de onde minha família é oriunda.
Trabalhei num site de futebol chamado FutNet durante seis anos, também cheguei a trabalhar fora da área, e recentemente trabalhei em uma agência de publicidade e em uma de intercâmbio, na parte de comunicação. É essa a minha trajetória até o momento, além dos dois livros que eu fiz.
Você comentou que começou a fazer jornalismo pensando em focar na área esportiva. Como que você avalia o jornalismo esportivo nos dias de hoje?
O jornalismo esportivo, assim como a maior parte do jornalismo hoje, está extremamente precário. As pessoas querem te oferecer trabalho de graça, a gente até brinca citando “escravidão moderna”, não porque vão te colocar amarrados a uma corrente, mas no sentido de “você trabalha pra mim e não tem nada em troca”. Nessa época temos algo que surgiu com a internet, as notícias falsas, as tais fake news (acho desnecessário o termo), as pessoas publicam o que elas bem entendem, sem credibilidade nem prova nenhuma, e a população não sabe direito em quem acreditar e muitas vezes ela acredita no que ela quer, vejo que há muita falta de credibilidade. Embora a internet tenha ajudado muita gente a divulgar seus trabalhos e começar seu projeto num blog, ela também fez muita gente não conseguir evoluir o seu trabalho, conseguir remuneração… acho que o jornalismo está numa fase muito crítica, antes já era muito mal pago e agora está pior.
Às vezes também avalio que é um pouco do público, muitas vezes você faz matérias legais sobre histórias do futebol e o público quer focar muito no próprio time, naquela bobagem de “tem mundial ou não tem, teu time tem isso ou não tem aquilo”, e isso faz o jornalismo ficar mais fraco. Não que você não possa ter esse tipo de comentário, mas é só isso que predomina, e eu acho que se você tem matérias mais ricas o jornalismo esportivo sai ganhando, mas sei que muitas vezes isso não tem o retorno necessário, o que acho uma pena. É aquela coisa de olhar o futebol além das quatro linhas.
Outra coisa que não gosto no jornalismo esportivo, não só no Brasil, na Europa tem muito, é especulação de contratações, e nada se concretiza. Especulação é uma coisa que dá muito retorno mas não tem credibilidade, porque você solta, o jogador vai para outro time, aquilo dá um retorno e não acontece nada. A especulação banaliza o negócio: você chuta pra algum lugar, o público te dá um retorno e o negócio não acontece, e o jornalismo fica muito sem credibilidade, esse tipo de notícia deveria ser divulgado no momento certo e não somente para ganhar cliques, que é o que acontece.
Você vê problema no jornalista esportivo dizer para qual clube torce?
Não vejo. Gostaria de entender o motivo disso ser tão importante para a profissão da pessoa. O jornalista não pode misturar as coisas, ele não pode ser um torcedor no microfone, computador, rádio ou o que quer que seja. Ele precisa entender que está ali para informar, aí não há problema, pois isso não deve ser relevante. Por que o público quer saber tanto o time que a pessoa torce? Quando chega um treinador ou jogador novo no clube, para qual time ele torce? Não há a mesma pergunta. E é assim até pros dirigentes. Eles torciam pro meu time quando eram mais novos?
Eu vou dar um exemplo, eu torço pro São Paulo, eu já falo na hora e acabou. Mas posso cobrir São Paulo, Palmeiras, Grêmio, Flamengo… acho que isso não deve interferir na profissão da pessoa. Às vezes as pessoas querem saber o time que o jornalista torce, pois de acordo com o ponto de vista a opinião pode estar “contaminada” ou não. Saber o time que a pessoa torce pode acabar com a credibilidade do jornalista? Eu acho que não deveria.
Como que foi a experiência de escrever o livro da viagem do Grêmio São-carlense à Europa? O que o levou a escrevê-lo?
Foi uma junção de coisas na verdade. Antes do livro, essa história era meio obscura na biografia do clube. Todas as outras questões, a subida para a primeira divisão, o título da terceira divisão, os grandes jogos, tudo isso já estava documentado e essa história não, nos jornais da cidade quase não se falou sobre isso. Cheguei a conhecer um cara que tinha ido na excursão, que tinha algumas fotos, e a partir dali falei: “isso aqui tem que ser mais explorado, isso vai ser o meu primeiro livro”. A minha intenção principal era esclarecer essa história, falar com as pessoas, quem foi, investigar os resultados, pois ninguém na cidade sabia contra quem foi ou não foi, como era isso, e esclarecer isso pois haviam muitas histórias, inverdades… foi a minha contribuição jornalística para São Carlos, para falar: “o Grêmio foi, jogou assim, contra tais, escalações tais, fotos”, essas coisas.
E até tem uma história pós-livro interessante. Um cara me procurou pois queria o livro e fui entregar a ele, ele morava numa república de estudantes em São Carlos, e em frente morava um senhor que foi pipoqueiro no estádio do Grêmio São-carlense. É um senhor que era cuidado por eles e ele tinha alguns problemas de memória, e os meninos disseram que o senhor contava que o Grêmio São-carlense tinha ido à Europa, jogado contra os principais clubes da Itália e Inglaterra e o pessoal achava que era loucura da cabeça dele, e aí quando eles viram o livro, viram que era realmente verdade a história (risadas).
E com relação ao livro do Biriba? Você já o conhecia quando era mais novo e jogava tênis de mesa?
Uma coisa que é interessante quando você escreve um livro é que muita gente começa a fazer assim: “ah, você podia contar tal história. Ah, você podia falar disso”. E é assim não só no âmbito esportivo, “você podia falar da história da farmácia tal que está na cidade há trezentos anos”, e fica meio no ar pois você fala que vai pensar e ver o que dá para fazer. Eu ainda jogo tênis de mesa em Porto Alegre e recebi uma mensagem de um veterano que comanda o tênis de mesa aqui, e ele mandou para mim assim: “por quê você não faz um livro falando sobre a história do Biriba?”. E isso me deu um estalo, falei “é isso”, pois sou do tênis de mesa, o esporte precisa… aí conversei com o Biriba por telefone, ele aceitou tudo e fomos em frente. Já o conhecia por ele ser o primeiro grande jogador brasileiro. Ele ficou famoso porque quando ele tinha 13 anos, em 1958, ele ganhou de dois campeões mundiais japoneses adultos, que vieram ao Brasil na comemoração do cinquentenário da imigração japonesa no país, e eles vieram a São Paulo fazer uma exibição de tênis de mesa. Eles foram jogar com o Biriba, e ele ganhou dos dois. Tanto que há uma capa numa revista da época com o Biriba, o Pelé e a Maria Esther Bueno, “as três revelações do esporte”.
Eu o conheci quando tinha uns 12 anos, em 1998, de 12 para 13. Fui fazer um curso intensivo de tênis de mesa em Piracicaba e o Biriba ficou em nosso alojamento, e ali eu o conheci, conversei com ele. Só voltei a falar com ele ano passado para fazer o livro.
Conta pra gente uma história curiosa que você vivenciou dentro do meio esportivo.
Quando eu trabalhava num site como editor, o que eu lembro dos furos de reportagem… tinha um zagueiro, Cleber Reis, que jogou na Ponte Preta, foi pro Corinthians, Santos, Paraná, jogou no Hamburgo da Alemanha, hoje ele voltou ao clube de Campinas. Na época ele estava na Ponte Preta e ia pro Corinthians, e estava naquela coisa, se ia, não ia, assinava ou não assinava, porque era um grupo de empresários que estava contratando ele… e ficou naquela coisa, não sabe se vai pro Corinthians, até que um dia me bateu na cabeça que eu tinha o telefone dele, porque uma vez eu fiz uma entrevista com ele quando ele estava na Ponte, para uma outra matéria. Aí eu liguei para ele, ele disse que não lembrava de mim, eu expliquei e perguntei se ele ia pro Corinthians mesmo, isso era uma quinta-feira. Ele falou: “cara, eu estou indo amanhã”. “Sério?” “Sério, já está tudo certo, amanhã eu assino o contrato, até o fim de semana sou apresentado e boa”, e eu falei que não havia nenhuma matéria dizendo. “É, porque ninguém me perguntou”, achei engraçado isso que ele falou. E aí eu publiquei que ele ia pro Corinthians e fui a primeira pessoa que tirou da boca dele que ele ia pro Corinthians, e aquilo gerou bastante retorno para mim e para o site.
O único problema que deu é que na sexta-feira… cadê a assinatura? Na sexta, no sábado, conversei com ele, e aí eu vi em outros sites que ele teve problemas nos direitos de negociação entre os empresários que o levaram para o Corinthians, e demorou. Aí eu fiquei na agonia: “putz, se dá alguma zebra, eu me queimei”. E eu fiquei rezando, “assina logo”, e aí assinou o contrato. Eu fiz uma festa… fui do paraíso ao purgatório e quase fui pro inferno daquela vez.
Como você vê o futebol brasileiro durante e no pós-pandemia?
Acho uma vergonha o futebol voltar agora, pois estamos passando por uma crise muito feia, tem muita gente morrendo todo dia ainda pelo coronavírus, a situação em muitas regiões do Brasil ainda está aumentando, e eu considero a volta do futebol uma péssima ideia. Não tem clima para a volta do futebol, para comemoração, sabe? Acho que o futebol só deveria voltar quando essa pandemia de fato acabar, em muitos lugares ainda estão subindo muito os números, e você vê que muitos jogadores estavam com coronavírus, do Corinthians, do Vasco, aqui no Sul também tinham alguns… qual é a finalidade de terminar desse jeito?
Diferente da Europa, que já teve um controle maior da situação, está voltando aos poucos, eles estão em outro estágio. Aqui eu acho que não tem clima para a bola rolar. Sabe quando a gente diz, mal comparando, “a gente perde um parente e ao mesmo tempo dá uma festa”? Não tem clima para isso, e eu estou vendo o futebol muito nesse sentido.
E com relação ao jogo em si, ao calendário apertado, a sobrevivência dos clubes que dependem mais da bilheteria, você acha que nesses aspectos o nosso futebol irá passar por dificuldades?
A gente vive numa sociedade que tem uma economia que está sofrendo muito com a pandemia: comércio, entretenimento, e com o futebol não vai ser diferente. Muitos clubes já estão pedindo socorro para clubes maiores, federações, então com certeza vão sofrer e muito. Todo mundo que queria ter algum lucro esse ano, em alguma coisa, vai perder, e com o futebol vai ser igual. 2020 é um ano que todo mundo perdeu, financeiramente, objetivos que tinham na vida… nas escolas muitos talvez percam um ano pois está uma bagunça, e os clubes de futebol também vão fazer isso, e teremos muitos que ficarão mais endividados, que dispensarão jogadores. O Mirassol que ganhou do São Paulo tinha dispensado 18 jogadores, outros pelo Brasil estão mais ou menos na mesma situação… o que vai salvar um pouco talvez seja o dinheiro de TV, mas está difícil para todo mundo, e no futebol vai ser a mesma coisa.
Você mencionou essa questão de calendário, pois tem aquela coisa, os clubes vão ter que fazer viagens e o Brasil é grande. Você imagina um time viajando de São Paulo para o Ceará, e depois para o Rio Grande do Sul… como é que ficam os jogadores nesse quesito de viagem, quarentena? É complicado viajar nesse período, pois é um país grande, e como que faz para ter esse controle total? Será que é possível?
De quais formas seus livros podem ser adquiridos?
Ao que tudo indica, parece que vem aí uma greve dos Correios nessa semana que talvez dê uma paralisada. Fora isso, os livros podem ser adquiridos de duas formas:
- 1997: O ano em que a Europa conheceu o Grêmio São-carlense
Quem estiver em São Carlos, na Cafeteria Shot Café, dois exemplares disponíveis. Endereço: Rua 9 de Julho, número 1671, CEP 13560-042 – São Carlos, SP
Quem não puder ir, entre em contato comigo por e-mail (lpcantarelli@hotmail.com) ou Facebook, que aí eu já acerto com a pessoa sobre envio para a cidade, pagamento e tudo, mas só tem dois exemplares para vender.
- Biriba: contos e causos de uma lenda do esporte brasileiro e do tênis de mesa mundial
Tem uma empresa em São Paulo, a JJ Yamada, que está cuidando disso. É uma empresa de tênis de mesa, eles ainda devem ter mais ou menos umas 100 cópias para vender.
JJ YAMADA TABLE TENNIS
Telefone: (11) 3222-1415
WhatsApp: (11) 96457-1151 e (11) 99933-9194
Preço: R$30,00 + frete
Agradecemos sua presença nessa entrevista. Fique a vontade para deixar uma mensagem aos nossos leitores.
Eu que agradeço a oportunidade de ter um espaço para bater um papo. Aos leitores, espero que gostem da entrevista, que tenham se entretido de alguma maneira. Também tenho um blog, no qual conto muitas histórias de times que marcaram época no passado e que tem pouco conteúdo, entrevistas com ex-jogadores, e às vezes brasileiros perdidos pelo mundo afora, que estão na Tailândia, na África, em países europeus que pouca gente acompanha…