A melancólica temporada reflete a maior crise da história do San José de Oruro
Tetracampeão boliviano, o San José de Oruro sempre foi um clube presente na primeira divisão do futebol de seu país. Relegado ao papel de coadjuvante por muitos anos, o Santo viveu sua melhor fase nas duas primeiras décadas do Século XXI, quando disputou a Copa Libertadores em quatro ocasiões e a Copa Sul-Americana em outras quatro vezes. Sabendo usar a altitude a seu favor, segurou um empate com o Corinthians no ano de 2013 e em 2015 venceu o River Plate, que se sagraria campeão da Copa Libertadores meses depois daquele jogo em Oruro.
Anos depois daquela grande partida contra o time de Marcelo Gallardo, o San José não parece ser o mesmo clube. Afundado em dívidas e sem a menor possibilidade de se manter competitivo dentro do futebol boliviano, a equipe de Oruro sofreu o segundo rebaixamento de sua história no ano de 2021 – e corre sério risco de deixar de existir. Assim como acontece em um naufrágio ou em uma queda de avião, vários fatores causaram a derrocada de uma das mais tradicionais equipes de futebol da Bolívia.
As temporadas 2015-16, 2016 e 2017 não foram boas para Los Quirquinchos. Com campanhas irregulares, a equipe orurenha não chegou a correr risco de rebaixamento, mas ficou distante das competições continentais. O desempenho na Copa Sul-Americana de 2018 também não foi animador, o oposto da campanha do San José no campeonato nacional. O terceiro lugar obtido no Torneo Apertura e o título do Torneo Clausura credenciaram o clube a fazer parte da Copa Libertadores no ano de 2019.
Sorteado em um grupo que continha Flamengo, Peñarol e LDU, o San José somou apenas quatro pontos em 18 possíveis e foi eliminado na primeira fase da competição. O desempenho, considerado razoável para um clube boliviano que pegou adversários fortes, teve um agravante: mesmo em uma situação financeira desfavorável, o San José investiu forte na busca por um elenco competitivo. Alguns desses atletas atuaram pouquíssimas vezes, caso do atacante Yasmani Duk, que fez somente nove jogos com a camisa do San José. Uma dívida de 24 mil dólares (cerca de R$ 138 mil na cotação atual) causou uma das três punições sofridas pelo clube Santo ao longo da temporada 2019 – mesmo com nove pontos a menos, a equipe de Oruro obteve uma vaga na Copa Libertadores em 2020.
Duas derrotas para o Guaraní do Paraguai na primeira fase preliminar sacramentaram a eliminação do San José. A bagunça administrativa persistia e no início de 2020 os sócios elegeram um novo presidente que assumia o posto e também a péssima herança deixada pelo antigo mandatário, que endividou ainda mais um clube que já enfrentava uma situação financeira difícil. O bom início no Campeonato Boliviano poderia ter levado a equipe às competições continentais, mas com a chegada da pandemia o campeonato foi paralisado por oito meses e retomado somente no mês de novembro. Sem condições de bancar um elenco do mesmo nível, o San José montou um plantel formado por vários jovens jogadores e não obteve nenhuma vitória nas 14 rodadas finais.
O final de temporada desastroso ainda foi complementado por uma nova perda de pontos que colocou o clube orurenho na vice-lanterna da competição. Com o rebaixamento cancelado devido a pandemia, 2021 poderia reservar uma nova chance de redenção da tradicional equipe boliviana. A demissão do treinador argentino Domingo Sánchez a apenas 10 dias do início do campeonato nacional, aliada à falta de dinheiro para a montagem do elenco, deixavam a situação do clube ainda mais incerta.
Após 29 rodadas, seis treinadores (entre eles o brasileiro Thiago Leitão), um ponto somado em 117 possíveis (obtido em um empate sem gols com o Real Potosí), um elenco formado quase que exclusivamente por jogadores recém-promovidos da base, 12 pontos deduzidos por dívidas com vários jogadores – entre eles Carlos Saucedo, o maior artilheiro da história do clube – e o rebaixamento consumado dentro de campo, chegava ao fim a saga do San José em 2021. Não porque a temporada havia acabado: o clube foi rebaixado administrativamente e impedido de jogar a última partida contra o Oriente Petrolero.
A perspectiva para o Club San José é bastante sombria a partir de 2022. A temporada que se encerrou nesse mês de dezembro foi muito difícil para o clube, com inúmeras ameaças de desistência do Campeonato Boliviano, mas ainda havia a certeza de que a equipe profissional disputaria uma competição. Por outro lado, sem as receitas que a elite local conseguia trazer, torna-se uma missão cada vez mais árdua quitar todo o montante de dívidas, estimado em quase 6 milhões de dólares – quase R$ 35 milhões.
Ainda assim, há uma luz no fim do túnel. Ernesto Araníbar foi eleito no último mês de julho presidente de uma espécie de conselho interventor do San José e declarou, em entrevista recente ao jornal boliviano Los Tiempos, que “calcula que (o clube) retornará dentro de três anos, mas de início o clube precisa ampliar seu número de sócios adimplentes e buscar patrocinadores”. Uma meta bastante ambiciosa, mesmo para uma equipe tradicional e de torcida apaixonada que passa pelo pior momento de sua história.