A seleção brasileira é concorrente dos clubes?

A seleção brasileira é concorrente dos clubes?
Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Encerrada a atípica data FIFA de janeiro, podemos fazer um balanço do que vimos da seleção brasileira: com a vaga na Copa do Mundo garantida, esperava-se que a equipe de Tite não deixasse em campo 100% de seu potencial, e foi exatamente o que vimos na partida contra o Equador. Em terras brasileiras, a seleção canarinho não tomou conhecimento do Paraguai e goleou a Albirroja por 4×0. O destaque negativo não fica para a atuação em Quito e sim para um problema recorrente em nosso futebol: o choque de horários entre jogos de clubes e da seleção.

Isso ficou bem evidente durante a Copa América de 2019. Enquanto Brasil e Peru se preparavam para dar o pontapé inicial na decisão do torneio às 17h, quatro partidas das Séries C e D começaram às 15h e terminariam praticamente na mesma hora do início da final. O torcedor que compareceu ao Estádio Raulino de Oliveira naquela tarde de domingo para ver Volta Redonda x Boa Esporte não conseguiu assistir a decisão da competição de seleções de forma integral. Não é uma exclusividade da CBF: a Ferj marcou a última rodada do primeiro turno do Campeonato Carioca Série B2 para aquele dia e no mesmo horário das 15h.

Dois anos e meio depois, o filme se repete. Enquanto o 1×1 da última quinta-feira (27) se desenhava em Quito, vários jogos de campeonatos estaduais se iniciavam ou estavam prestes a começar, caso de Mirassol x Red Bull Bragantino, Atlético Alagoinhas x Barcelona de Ilhéus e Ypiranga de Erechim x São Luiz. Na terça-feira, mesmo com o jogo da seleção se realizando em um horário voltado para a sua exibição na TV, o choque de horários aconteceu mais uma vez, dessa vez com apenas duas partidas: Ação x Luverdense pelo Campeonato Mato-Grossense e Botafogo x Ferroviária pelo Campeonato Paulista.

A situação inusitada evidencia um problema estrutural do futebol nacional e que infelizmente não é recente: a seleção brasileira parece se inserir como uma alternativa ao futebol de clubes, e não um complemento como ocorre em outros países. A discussão de parar os campeonatos durante uma data FIFA pode ser levantada, mas não é o ponto principal, visto que as divisões inferiores seguem acontecendo normalmente em outros países enquanto a seleção nacional está viajando. O que não costuma ocorrer no estrangeiro e acontece no Brasil é o conflito de horários.

Trata-se de uma estratégia bem equivocada e que ajuda a explicar o desinteresse de boa parte do público que acompanha futebol no que diz respeito à seleção do Tite. Em que pese o fato do Brasil praticamente só jogar dentro de seu próprio país quando há imposição por força do regulamento, caso das Copas América que aconteceram em 2019 e 2021 e das eliminatórias para a Copa do Mundo, precisamos ter a ideia de que passamos por um momento de entressafra de bons resultados. É natural que parte da torcida brasileira perca a empolgação com a seleção nacional e esse tipo de choque de horários afasta o torcedor que não se desprende do seu time do coração.

Sabemos como o espectador de futebol é passional – em determinado momento ele reclama que um jogador do time dele não foi convocado e na sequência ele reclama que o jogador foi convocado para desfalcar a equipe em uma partida importante. Apesar disso, quem compra produtos licenciados e paga ingresso caro para assistir um espetáculo de boa qualidade é esse mesmo torcedor. Ele precisa ser respeitado, mesmo quando parece não dar muita atenção ao time para qual torce.

De modo geral, esse conflito de horários é um erro crasso dos nossos dirigentes, tantos de federações como de clubes. Em um período no qual existem inúmeras formas de entretenimento, muitas das quais não exigem que o consumidor pegue uma condução, vá ao local para assistir e volte, o futebol pode ficar em segundo plano. Além do lado esportivo, é preciso valorizar o futebol como produto, e esse tipo de atitude tomada pelos cartolas só desmotiva o torcedor. Trata-se de um problema que pode ser resolvido facilmente, mas que não provoca muitas discussões e por isso fica em segundo plano. O futebol brasileiro perde com essa situação.

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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