Antes de nomes como Buffon e Matthäus, Antonio Carbajal foi o primeiro a alcançar cinco Copas do Mundo
A Copa do Mundo é um torneio que marca de forma singular a carreira de cada jogador que a disputou. Chegar lá já é uma grande conquista para muitos atletas de seleções modestas como Trinidad e Tobago ou Bolívia, ser convocado é motivo de alegria para qualquer futebolista. Em um espaço de mais de 90 anos, apenas quatro jogadores foram convocados para uma Copa do Mundo em cinco ocasiões. Três deles são nomes bem vivos na memória do torcedor atual: Lothar Matthäus, Gianluigi Buffon e Rafael Márquez. Muito antes dos três, um outro mexicano foi o primeiro a alcançar semelhante feito ainda nas décadas de 1950 e 1960.
Nascido na Cidade do México em 7 de junho de 1929, Antonio Carbajal Rodríguez gostava de jogar futebol desde pequeno com amigos e vizinhos. Sem muitos espaços para poder praticar o esporte, a solução encontrada pelas crianças era jogar futebol nas ruas, utilizando bolas de plástico ou papel. Por não ser o local mais apropriado, sempre havia o risco de acontecer algo de grave com os pequenos jogadores. Foi o que aconteceu com o irmão de Carbajal, que faleceu após ser atropelado enquanto disputava uma partida na rua. O pai de ambos tentou impedir Antonio de praticar o esporte, temendo que pudesse acontecer o mesmo com ele. A paixão de La Tota pelo balompié foi mais forte e ele seguiu no futebol, saindo de casa aos 14 anos em busca de um futuro como goleiro.
Era o início do período profissional do futebol mexicano, que embora fosse o mais desenvolvido entre todos os países da América Central e do Norte, ainda não era uma referência a nível continental como é hoje. Com a existência de poucas equipes profissionais, a saída encontrada por muitos atletas era participar de clubes amadores. Carbajal começou sua trajetória em um time amador, o Oviedo, equipe na qual permaneceu por seis anos jogando de graça enquanto trabalhava em outros locais para conseguir renda. Antonio se destacou na equipe a ponto de ser convocado pela seleção mexicana para ser parte do time que disputou os Jogos Olímpicos de Londres em 1948. No final do ano, Carbajal foi vendido para o Real España pela módica taxa de 11 bolas de futebol.
O início de sua trajetória no Real España aconteceu em 2 de dezembro de 1948, quando Carbajal estreou como titular em uma partida contra o Marte. Apesar do início irregular, Carbajal se tornou um dos principais nomes do clube alvinegro debaixo das traves mesmo sem utilizar luvas, assegurando uma vaga entre os selecionáveis de seu país com um estilo de jogo que privilegiava a boa colocação dentro da área, algo incomum entre os goleiros mexicanos do período. Convocado para a Copa do Mundo de 1950, a primeira participação mexicana em 20 anos, Carbajal era o reserva de Raúl Córdoba, mas uma má exibição do goleiro que defendia as cores do San Sebastián levou Antonio ao posto de titular.
A estreia de Antonio Carbajal em Copas do Mundo ocorreu no dia 24 de junho de 1950, abertura da quarta edição do mundial. Para a Copa de 1950, o México foi sorteado no grupo A junto de Brasil, Iugoslávia e Suíça. A campanha mexicana foi decepcionante, com três derrotas nos três jogos, 4×0 para o Brasil, 4×1 para a Iugoslávia e 2×1 para a Suíça. Para Carbajal, valeu a oportunidade de defender seu país pela primeira vez e estar presente no primeiro jogo oficial do Estádio do Maracanã, a estreia diante dos anfitriões que não tomaram conhecimento do México e venceram com dois gols de Ademir de Menezes, um de Jair e um de Baltazar.
Apesar do mau desempenho da seleção, Carbajal não se abalou e seguiu como um dos principais nomes do futebol mexicano, agora vestindo a camisa do León. Uma das equipes mais regulares do país, os alviverdes foram campeões nacionais na temporada 1951-52 com Carbajal no gol. Dois anos depois, Tota foi novamente convocado para representar seu país na Copa do Mundo que seria disputada na Suíça. Um novo regulamento diminuiu o número de jogos na fase de grupos de três para dois e Carbajal só esteve presente em um: após não jogar na estreia, uma derrota de 5×0 para o Brasil, devido a uma lesão no dedo mindinho, Antonio foi o titular na derrota por 3×2 para a França. Após três Copas do Mundo e oito partidas disputadas, o México ainda não havia somado um ponto sequer.
A seleção mexicana retornou a seu país e La Tota seguiu como uma das referências do Club León. Após o quarto lugar na temporada 1954-55, os Esmeraldas chegaram ao título em 1955-56 ao vencer a partida desempate contra o Oro de Jalisco por 4×2. O terceiro lugar em 1956-57 e a quinta colocação em 1957-58 credenciaram Antonio Carbajal para uma terceira Copa do Mundo, a edição que foi disputada na Suécia. O México caiu no grupo dos anfitriões e perdeu por 3×0 na estreia para os donos da casa, dando indícios de que seria outra campanha decepcionante. Não foi o que aconteceu: o empate com o País de Gales em Solna, obtido graças a um gol de cabeça salvador de Jaime Belmonte, garantiu o primeiro ponto do México em mundiais. A despedida da competição aconteceu em uma derrota para a Hungria por 4×0.
Nas quatro temporadas seguintes, o León não chegou ao título mexicano mas seguiu como um dos principais clubes do país, concluindo as quatro edições do campeonato local entre os cinco primeiros. Em 1962, nova convocação: aos 33 anos de idade, junto dos brasileiros Nilton Santos e Castilho, Antonio Carbajal seria o primeiro jogador a estar presente em quatro Copas do Mundo. A sorte não sorriu para a seleção mexicana e os comandados de Ignacio Tréllez foram sorteados no grupo C, junto do Brasil, Tchecoslováquia e Espanha.
O primeiro jogo foi uma derrota por 2×0 para a seleção que se sagraria bicampeã mundial, partida na qual Carbajal considera ter sido um espectador privilegiado. Uma derrota para a Espanha na segunda rodada sacramentou as chances de classificação, mas na última rodada veio a primeira vitória mexicana em Copas do Mundo: um 3×1 de virada sobre a Tchecoslováquia, com gols de Isidoro Díaz, Alfredo del Águila e Héctor Hernández. Carbajal foi eleito o melhor goleiro da competição junto com o tchecoslovaco Viliam Schrojf.
Com a idade avançada para um jogador de futebol e a queda de nível do León, Antonio Carbajal não era mais a grande referência do México debaixo das traves mas mesmo assim foi convocado para a quinta Copa do Mundo consecutiva, um recorde. Ignacio Calderón, jovem goleiro do Chivas Guadalajara, foi o titular do México nos dois primeiros jogos, um empate com a França em 1×1 e uma derrota para a Inglaterra por 2×0. No jogo derradeiro, Antonio Carbajal foi escalado, fez grande partida e o México empatou sem gols com o Uruguai e deu adeus à competição mais uma vez. Aquela foi a última partida profissional de La Tota, que já viajou para a Inglaterra decidido que se aposentaria logo após a Copa do Mundo.
Após se retirar do esporte dentro das quatro linhas, Carbajal passou a atuar fora delas. Treinou o León entre 1969 e 1973, o Unión de Curtidores entre 1974 e 1976 e teve uma breve passagem pelo Atletas Campesinos antes de sua chegada no Atlético Morelia, clube em que teve a melhor passagem. Entre 1984 e 1995, La Tota comandou uma equipe que costumava lutar contra o rebaixamento e passou a ser um dos principais clubes do país. A primeira participação do clube na Copa dos Campeões da Concacaf veio sob o comando de Carbajal no ano de 1988. Após uma sequência de resultados negativos em 1995, Antonio pediu demissão.
A saída do comando do Morelia não removeu La Tota do futebol em definitivo. Aos 92 anos de idade, Antonio Carbajal também segue participando esporadicamente de programas esportivos na TV mexicana. Por anos, o mítico ex-goleiro de La Tri conciliou o trabalho na vidraçaria que administrava com um projeto social destinado à reintegração de jovens ex-dependentes químicos através do futebol. A pandemia dificultou a atuação presencial de Carbajal no centro de reabilitação, mas não o impede de seguir participando do projeto. Em entrevista ao Diario AS, Antonio conta que “recebe ligações cedo e fala com alguns garotos” que fazem parte do Centro de Rehabilitación La Búsqueda.