Após anos de estagnação, o futebol do Mato Grosso do Sul pede socorro

Após anos de estagnação, o futebol do Mato Grosso do Sul pede socorro

Uma pergunta que parece simples para muitos torcedores por todo o país soa bastante complicada para o torcedor sul-mato-grossense: qual foi a última vez que um time do seu estado fez uma boa campanha em uma competição nacional? Ele pode coçar a cabeça, tentar forçar a memória para puxar uma lembrança e falar do Comercial que chegou às quartas de final da Copa do Brasil em 1994 ou relembrar os jogos duros que o CENE fez na antiga Série C e na Copa do Brasil.

Nos dias atuais, a realidade é bem diferente das boas lembranças do passado. Atrasado pela pandemia como aconteceu com todos os estaduais, o término do Sul-Mato-Grossense 2020 será a cereja no bolo de um biênio bem desgastante para o futebol do Mato Grosso do Sul que levou o estado a perder uma das vagas que tinha direito na Copa do Brasil de 2021 para o Espírito Santo.

Para nos situarmos melhor sobre o estado do futebol sul-mato-grossense precisamos voltar ao início de 2019. Após um vice-campeonato e uma eliminação na segunda fase, o que garantiu uma premiação polpuda para os padrões do futebol local, o Corumbaense se planejava bem para a disputa do estadual. O mesmo faziam Novo e Operário, dois clubes antagônicos – o primeiro foi criado após uma cisão na diretoria do segundo enquanto este estava inativo. O Novo havia disputado a Copa do Brasil de 2018 e o Operário ainda disputaria a Copa do Brasil em 2019. Outras equipes, como Águia Negra e Sete de Dourados, também se arrumavam sem o mesmo aporte financeiro.

Em sua maioria, as equipes citadas acima não tiveram um bom desempenho no primeiro semestre. Corumbaense e Operário foram eliminados na primeira fase da Copa do Brasil para Luverdense e Botafogo PB respectivamente, garantindo a cota mínima de premiação, de cerca de R$ 520 mil. Com todos os méritos, o Águia Negra foi campeão estadual em cima do Aquidauanense. Ambos garantiram vaga na Copa do Brasil e na Série D de 2020. O Sete de Dourados, eliminado na semifinal, fechou o campeonato com a terceira colocação. Corumbaense e Operário caíram nas quartas de final e o Novo foi um dos quatro rebaixados – a mudança visava a redução para 10 participantes em 2020.

Após o término do estadual, foi possível perceber o real estado das equipes do Mato Grosso do Sul. Corumbaense e Operário foram eliminados na primeira fase da Série D, assim encerrando seu calendário em 2019. Copa Verde? Após inúmeras desistências, Costa Rica e o rebaixado União ABC disputaram a competição regional. O Costa Rica até fez uma campanha decente, sendo eliminado nas quartas de final para o Cuiabá. A disputa da Série B do estadual teve somente três participantes, um número baixo, porém recorrente – em 2017 a competição também teve três inscritos. A Pontaporanense garantiu o título e o Maracaju também conseguiu o acesso.

Se 2019 terminou mal, 2020 começou pior. O Sete de Dourados, campeão estadual de 2016 e terceiro lugar em 2019, anunciou a desistência do campeonato estadual. Em seu lugar, entrou o CE Nova Andradina, terceiro lugar na segunda divisão do ano anterior. O Águia Negra até conseguiu avançar na primeira fase da Copa do Brasil ao eliminar o Sampaio Corrêa, mas levou uma goleada da Ferroviária na segunda fase e deu adeus à competição. O Aquidauanense foi eliminado pelo ABC na primeira fase. A pandemia paralisou o campeonato após o término de sua primeira fase, com CE Nova Andradina e Pontaporanense rebaixados.

No período pós-paralisação do futebol, mais problemas, a começar pela Série D: sem dinheiro, o Aquidauanense escalou garotos para a disputa do campeonato e foi eliminado na fase preliminar. O Águia Negra entrou direto na primeira fase, mas também foi eliminado de cara. Já o Campeonato Sul-Mato-Grossense recomeçou em novembro com Corumbaense e Maracaju desistindo da disputa do mata-mata e a competição também passou pela vergonha de apresentar o gramado do Morenão em um estado lastimável para o Comerário, como a imagem abaixo mostra.

Créditos: reprodução/Rádio Futebol na Canela

A consequência de tantos insucessos e falhas chegou via Ranking da CBF. Com a eliminação do Aquidauanense na fase preliminar da Série D e as boas campanhas dos capixabas Vitória e Serra ao longo dos últimos anos, o Espírito Santo ultrapassou o Mato Grosso do Sul no Ranking Nacional de Federações. Com isso, o Espírito Santo recupera a segunda vaga na principal competição eliminatória do país, deixando o estado pantaneiro com uma vaga pela primeira vez desde 1998, quando a Copa do Brasil era bem menor e envolvia somente 42 times – menos da metade dos 92 participantes previstos para 2021.

Para Thiago Faria, editor-chefe da Rádio Futebol na Canela, o atual estado do futebol sul-mato-grossense passa muito pelos clubes, que parecem estar acomodados. “Esse resultado está 70% na mão dos clubes. Quase ninguém tem base, alguns clubes tem algumas categorias. Os clubes tem toda a despesa de jogo custeada pelo governo e só precisam bancar salários e o dia a dia.”

No entanto, Thiago também considera que a federação tem sua parcela de culpa. “A organização do campeonato é péssima, principalmente no quesito administrativo dos clubes e na aplicação de penas por parte do TJD e da federação estadual”. De fato as punições se fizeram presentes ao longo da edição 2020 do estadual. Corumbaense e Operário perderam pontos após a escalação irregular de um jogador, e no caso do clube da capital, a situação causou a eliminação do clube nas quartas de final.

Com a perda da vaga na Copa do Brasil, a tendência é que o vice-campeão estadual não receba a premiação correspondente à disputa da primeira fase da competição e caso ele chegue na primeira fase da Série D, a tendência é de mais uma campanha esquecível para o futebol pantaneiro. A última campanha de um clube sul-mato-grossense que foi além da segunda fase em qualquer competição nacional ocorreu na Série C em 2003. Na época, a terceira divisão era aberta a qualquer clube, independente da divisão estadual dele. O CENE eliminou os conterrâneos Operário e Taveirópolis na primeira fase, passou pelo Juazeiro BA na segunda fase e acabou eliminado pelo Confiança na terceira fase.

O CENE foi uma das últimas equipes a ter presença constante nas competições nacionais. O Clube Esportivo Nova Esperança disputou nove vezes a Copa do Brasil, seis vezes a Série C e três vezes a Série D entre 2001 e 2015. Fundado pela Igreja da Reunificação do Reverendo Moon, o clube recebia investimentos da igreja para se manter competitivo. Com o falecimento de seu fundador e líder, a fonte secou. Ainda assim o CENE foi bicampeão em 2013 e 2014, mas foi rebaixado em 2015 e não voltou mais ao futebol profissional. Desde então, nenhum clube conseguiu ter uma sequência similar de participações na Copa do Brasil ou na Série D.

Sem um mecenas, a solução para a maioria dos clubes é o auxílio das prefeituras do interior. Mesmo com a ajuda, os baixos públicos mostram um certo desinteresse da população com as equipes que representam seus municípios. Segundo Thiago, somente o clássico Comerário e o time do Corumbaense conseguem levar públicos significativos aos estádios – e mesmo assim o Galo Carijó não conseguiu se manter na disputa do estadual.

Com a temporada 2021 se aproximando e a disputa da Série B – agora com cinco clubes, após a desistência do Sete de Dourados – adiada para fevereiro, ainda existem indefinições sobre o campeonato. Corumbaense e Maracaju, desistentes na Série A, podem ser punidos e com isso abrir duas vagas para os melhores colocados na B. Ainda há uma possibilidade de desistência repentina por parte de algum clube, tal como aconteceu com o mesmo Sete no início do ano.

Diante disso, o que fazer? Thiago Faria defende uma solução indicada para a maioria das equipes de menor investimento do futebol brasileiro: a base. O Mato Grosso do Sul passará por um desafio que alguns estados já enfrentam – alguns não conseguem emplacar equipes competitivas há mais tempo ainda, caso do Amapá e de Rondônia. De todo modo, o futebol local pede por uma mudança urgente na forma de trabalhar dos clubes para evitar que a situação fique mais dramática e o estadual permaneça esvaziado.

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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