As últimas semanas destacaram a importância das copas nacionais

As últimas semanas destacaram a importância das copas nacionais
Créditos: Fabian Bimmer/Reuters

O início de 2021 foi marcado pela participação de várias equipes pertencentes à elite dos principais países que compõem o futebol europeu em suas respectivas copas nacionais. Na Inglaterra, as equipes da Premier League e da Championship, segunda divisão local, fizeram sua estreia na FA Cup no segundo final de semana de janeiro. Na Espanha, Portugal e Alemanha, os clubes da primeira divisão de cada país ainda vivos em sua copa local disputaram mais uma fase eliminatória. Foi possível ver diversos jogos que justificaram a existência das copas nacionais e apresentaram a importância das mesmas.

A primeira das principais taças nacionais a ter uma fase disputada em 2021 foi a Copa do Rei da Espanha, com 28 partidas jogadas entre os dias 5 e 7 de janeiro. 16 dos 56 times presentes na segunda fase eram da primeira divisão local. Getafe, Huesca, Celta de Vigo (que levou 5-2 do Ibiza) e Atlético Madrid foram as quatro equipes da elite que deram adeus. Nem o líder de La Liga foi poupado: jogando em Barcelona, o Atleti foi derrotado por 1-0 pelo Cornellà, da terceira divisão espanhola.

A terceira fase da Copa da Inglaterra foi jogada logo após o término da segunda fase da Copa do Rei. 31 duelos foram disputados entre os dias 8 e 11 de janeiro – desta vez sem a possibilidade de partidas desempate, excluídas por causa do apertado calendário britânico. Dos 20 times da primeira divisão, cinco foram eliminados: alguns, como Aston Villa e Newcastle, caíram para outros times da Premier League; outros, como Leeds United e West Bromwich, foram eliminados para equipes de divisões inferiores. Embora não tenha sido eliminado, o Tottenham também fez parte de uma história bacana ao visitar o Marine, clube da oitava divisão local.

Também foi possível ver zebras passeando em Portugal, com a vitória do Marítimo sobre o Sporting por 2-0, e na Alemanha, com a eliminação do Bayern de Munique. Os bávaros não caíam na segunda fase da Copa da Alemanha desde a temporada 2000-01, quando foram eliminados nos pênaltis pelo Magdeburg. Na atual temporada a história foi semelhante: após um gol nos acréscimos do segundo tempo, o Holstein Kiel – participante da 2. Bundesliga – conseguiu segurar o Bayern na prorrogação e venceu nos pênaltis após Marc Roca perder a cobrança decisiva dos bávaros.

Essas situações que aconteceram ao longo dos últimos dias evidenciaram a mágica das copas nacionais. Não são restritas somente ao futebol europeu: podemos ver zebras passeando ou confrontos de Davi e Golias em todas as copas nacionais do mundo. O primeiro ponto a ser destacado é o que aparece de forma mais clara nas competições mata-mata: a imprevisibilidade.

Inúmeros campeonatos de futebol ao redor do planeta são jogados no sistema de pontos corridos há décadas. É a fórmula mais justa, que consagra a equipe mais regular ao longo de uma temporada. Por ser uma competição mais extensa, exige mais preparação, um elenco maior e as equipes mais arrumadas dentro e fora de campo saem na frente. As copas nacionais seguem uma lógica diferente: com um calendário mais espaçado e as fases resumidas aos 90 ou 180 minutos, a chance de um clube de elenco menos qualificado ou de menor investimento surpreender aumenta consideravelmente.

Algumas copas nacionais adotam formatos que auxiliam as equipes das divisões inferiores, como a obrigatoriedade do mandante de um jogo ser o clube da divisão mais baixa no confronto. É o que acontece na Espanha e na Alemanha, por exemplo. A atual fórmula da Copa do Rei, adotada desde a temporada 2019-20, faz os clubes das divisões inferiores serem mandantes em todas as fases de jogo único. Foi dessa forma que Unionistas, Ibiza e Cultural Leonesa receberam Real Madrid, Barcelona e Atlético Madrid e fizeram jogo duro.

Estávamos em outra época, a pandemia não era parte de nosso cotidiano e os estádios ainda recebiam público. Quatro mil pessoas lotaram o Pistas del Helmántico para ver os astros do Real Madrid contra o Unionistas. O pequenino Can Misses, estádio do Ibiza, também esteve cheio e 6,5 mil pessoas viram o Barcelona atrás do placar por mais de 60 minutos. Outro ponto mágico das copas nacionais está baseado nisso, na possibilidade de clubes grandes visitarem estádios de equipes de menor expressão.

Nem sempre os confrontos da Copa do Brasil foram definidos por sorteio transmitido via televisão e redes sociais como hoje. Por vários anos a CBF montou a tabela da competição em sua sede, alocando as equipes sob critérios nem tão claros. Embora não fosse um método transparente, um dos pontos positivos – talvez o único daquela época – era referente aos confrontos dos chamados “12 grandes”. Na maioria das vezes, os clubes viajavam até estados fora do eixo futebolístico para fazer seu jogo da primeira fase do torneio.

Vamos pegar a Copa do Brasil de 2007 como exemplo. Na primeira fase, o Botafogo enfrentou o CSA, o Vasco da Gama encarou o Fast Clube e o Palmeiras disputou uma vaga na fase seguinte contra o Operário de Várzea Grande. Só nesses três confrontos já podemos ver como alguns clubes da Série A foram alocados diante de clubes de praças secundárias com a finalidade de levar um público maior ao estádio e garantir uma renda às equipes locais. O fenômeno acontece até hoje mesmo sem a montagem da tabela como antigamente. A Aparecidense nunca foi um fenômeno de público no futebol goiano e lotou o estádio do município quando recebeu e venceu o Botafogo em 2018.

Créditos: André Costa/Estadão Conteúdo

Por questões de sorteio e chaveamento, nem sempre é possível emparelhar os confrontos de forma que eles ocorram na casa da equipe menor. Isso não tira o charme das copas, pelo contrário: permite que os clubes de menor porte possam visitar grandes estádios, o que é impensável a curto prazo num sistema de ligas com acesso e rebaixamento. Foi na Copa da Itália que o Pordenone, clube que na época tinha menos de 10 anos no futebol profissional italiano, pudesse visitar a Internazionale e ser eliminado nos pênaltis em pleno San Siro.

Também podemos voltar a 2007 e relembrar que um dos confrontos da primeira fase da Copa do Brasil foi entre Fluminense e ADESG. O clube acreano de Senador Guiomard, cidade próxima à capital Rio Branco, havia se sagrado campeão estadual pela primeira vez em 2006. Na copa nacional, foi emparelhado com o tricolor carioca. Após resistir bravamente e perder por 2-1 na ida, conseguiu forçar a realização da segunda partida. Tanto o técnico Zé Risada como os jogadores da equipe já estavam satisfeitos pela possibilidade única de atuar no Maracanã, algo impensável para um time de pequeno porte.

Se não fosse essa partida, dificilmente a ADESG teria algum destaque na imprensa fora de seu próprio estado. Esta é mais uma magia das copas: o destaque para clubes à margem dos holofotes do futebol. Praticamente todas as equipes de divisões inferiores citadas até agora no texto não são muito presentes no primeiro escalão de seus países e nunca tiveram muito destaque na mídia. Nem sempre as equipes que caem nesse ponto são totalmente desconhecidas: o Saarbrücken foi o primeiro clube da quarta divisão alemã a chegar na semifinal de sua copa nacional, feito obtido na temporada 2019-20. Principal clube da região do Sarre, a centenária equipe alemã foi bicampeão de seu país no período pré-Bundesliga e está afastada das duas primeiras divisões germânicas desde 2006.

Do lado de cá do oceano, o Ferroviário conseguiu recuperar seu espaço na mídia com a Copa do Brasil. Após passar por Confiança, Sport (em plena Ilha do Retiro) e Vila Nova, o Ferrão foi eliminado na quarta fase para o Atlético Mineiro. A trajetória do clube cearense foi uma síntese do que vimos neste texto: o clube retornou aos holofotes após uma grande campanha, visitou uma equipe tradicionalíssima da Série A, recebeu outra equipe tradicional em seu estádio e conseguiu fazer o que fez graças à imprevisibilidade do mata-mata. De quebra, ainda consegue adicionar um quinto ponto: a mudança que as premiações podem trazer.

Claro, a premiação por si só não faz milagre. Nem todos os clubes sabem utilizar uma grande quantia de dinheiro, vimos esta situação em 2020 com o Afogados, que alcançou a terceira fase da Copa do Brasil mas não conseguiu transformar o dinheiro em sucesso dentro de campo. Não foi o que aconteceu com o Ferroviário: a premiação de R$ 4,3 milhões permitiu que os principais nomes fossem mantidos e outros fossem contratados para a Série D, competição vencida pelo clube fortalezense. Hoje o Ferroviário está consolidado na Série C e nem parece ser o mesmo clube que disputou a segunda divisão estadual por alguns anos.

Não podemos dizer que as copas são salvação da lavoura, mas elas não podem ser descartadas. Apesar da maior quantia de dinheiro gerada pelas ligas nacionais, um mata-mata que envolve clubes de várias divisões é um grande formato, um bom produto e sempre deixa o torcedor empolgado. Fica a expectativa para que as copas nacionais sigam sendo valorizadas em cada país, dando chance aos clubes menores e mantendo-se imprevisíveis.

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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