Consagrando um trabalho de reconstrução, o Rio Branco de Venda Nova é campeão capixaba pela primeira vez em sua história

Consagrando um trabalho de reconstrução, o Rio Branco de Venda Nova é campeão capixaba pela primeira vez em sua história
Créditos: Cid Fernandes/Rio Branco FC

O calendário atrasado por conta da pandemia nos reservou campeões estaduais em pleno mês de dezembro. Entre os dias 22 e 23 de dezembro, quatro estados conheceram um campeão: o 4 de Julho faturou o Piauiense pela quarta vez, o São Raimundo foi pentacampeão roraimense, o Águia Negra foi bicampeão sul-mato-grossense e o Nova Mutum ganhou o Mato-Grossense pela primeira vez em sua curta história profissional. Nesta terça-feira (29) o futebol brasileiro conheceu mais um campeão inédito: o Rio Branco de Venda Nova do Imigrante levantou o troféu do Campeonato Capixaba após superar o xará de Vitória.

Não se trata somente de um clube que conseguiu um título após disputar seu estadual de origem por anos. O Rio Branco foi fundado em um município bem pequeno: Venda Nova do Imigrante é a segunda menor cidade entre as nove que tiveram clubes participando da edição 2020 do Campeonato Capixaba. Com cerca de 25 mil moradores, o município de origem do Rio Branco é superado somente por Águia Branca, casa do Real Noroeste e que tem uma população de somente 10 mil pessoas.

A própria origem do município explica parte da história do Rio Branco. Venda Nova do Imigrante, embora tenha sido emancipada somente em 1988, foi colonizada por imigrantes italianos no Século XIX e se sustenta principalmente através da produção de queijos, pães, vinhos e outros produtos que estimulam o agroturismo. A cidade também sedia a Festa da Polenta, um prato italiano, e ostenta em sua bandeira as cores do país europeu. Com uma cultura tão enraizada, fica mais simples explicar o motivo do clube usar branco, verde e vermelho, seu estádio Olímpio Perim ser pintado nessas cores e ter o singelo apelido de Tricolor Polenteiro.

Fundado em 1945, o Rio Branco permaneceu no amadorismo por mais de 40 anos. No início da década de 1990 um passo ousado foi dado com a entrada no profissionalismo. Rapidamente, foi possível colher os frutos: em 1993 o clube foi campeão da Série B do Capixaba e dois anos depois o vice-campeonato estadual veio após a derrota na final para o Linhares. O Rio Branco seguiu participando dos torneios estaduais até 1999, ano em que o departamento profissional foi desativado e parecia que o Brancão Polenteiro tomaria o mesmo caminho de Guarapari, Muniz Freire, Colatina e outros: o afastamento sem previsão de retorno das competições da federação local.

A história tomou um rumo diferente há cerca de dez anos, com o retorno do clube às competições de base. A volta ao futebol profissional veio com uma 3ª colocação na Série B estadual de 2016, uma campanha insuficiente para o acesso, mas que fez a população local voltar a abraçar o Tricolor Polenteiro. Através de uma gestão definida por um diretor como autossustentável, foi possível disputar a edição seguinte da Série B e faturar o vice-campeonato dela sem sustos. O retorno à elite em 2018 foi marcado por uma 3ª colocação na classificação geral, à frente de clubes tradicionais como Desportiva, Vitória e o Atlético, campeão do ano anterior. Em 2019, o Tricolor conquistou o 5º posto na classificação geral.

Créditos: Cid Fernandes/Rio Branco FC

Permanecer competitivo por tanto tempo na elite estadual mesmo sendo de uma cidade pequena é um desafio em qualquer estado. A missão foi facilitada pelo apoio do município de Venda Nova do Imigrante: estima-se que cerca de 3 a 4% da população local comparece aos jogos do Rio Branco. Para 2020, houve a manutenção da base do elenco que jogou edições anteriores do estadual pela equipe com a adição de algumas peças que em sua maioria haviam atuado por outros clubes capixabas. O treinador era Antônio Carlos Roy, com passagens por vários clubes do futebol fluminense.

A campanha do Brancão no estadual começou com duas vitórias, uma sobre o Linhares dentro do Olímpio Perim por 3-1 e outra fora de casa sobre o Estrela do Norte por 2-1. Na sequência, vieram três empates, dois em casa contra o Atlético de Itapemirim e o São Mateus e um fora de casa contra o Real Noroeste. O ápice do time na primeira fase veio dentro de Venda Nova do Imigrante com uma goleada de 5-1 em cima do Serra. Para concluir a primeira fase, uma derrota por 2-0 para o Vitória e duas vitórias sobre o Rio Branco de Vitória (3-1) e a Desportiva (2-0).

Essa grande consistência dentro de campo garantiu a segunda colocação para o Rio Branco, atrás somente do Vitória, líder com 100% de aproveitamento. O time-base formado por Giovani Perim, Gabriel Fernandes, Diego Monar, Rafael Olioza e Magno; Walber, Ivan, Henrique Tiririca e Canário; Rafael Castro e Marcudinho era formado por uma mescla de jogadores com passagem anterior pelo Rio Branco, atletas que passaram por outros clubes do futebol capixaba e ainda alguns jogadores que trabalharam com o técnico Roy no futebol carioca.

Os clubes precisaram esperar cerca de oito meses para voltarem a atuar de forma oficial pelo Campeonato Capixaba. A pausa causada pela pandemia de covid-19 fez a fase de quartas de final, marcada originalmente para os últimos dias de março, ser transferida para o final de novembro. Nesse intervalo de tempo, o Brancão Polenteiro teve que reformular seu elenco. Marcudinho foi embora para o Sampaio Corrêa RJ, abrindo espaço para Wendell, ex-Portuguesa Santista. Também foram contratados os defensores Daniel Felipe e Wesley e os meio-campistas Maiqui, Gustavo Tonoli e Arthur Faria, os três últimos com passagem recente pelo futebol fluminense.

Na segunda fase, o Rio Branco encarou o São Mateus e passou sem muitas dificuldades, com uma vitória por 1-0 e outra por 3-0. O desafio maior viria na semifinal, contra a equipe do Real Noroeste. O clube de Águia Branca havia alcançado a segunda fase da Série D, e quem avançasse ganharia vagas na Copa do Brasil, Copa Verde e Série D 2021. Tanto o primeiro como o segundo jogo seguiram a receita de um mata-mata palpitante: partidas movimentadas, com muita ação por parte de ambas as equipes. Na partida de ida, o Rio Branco saiu atrás, virou ainda no primeiro tempo e levou o empate no início da segunda etapa. Na volta, o Rio Branco tinha a vantagem de um gol desde o início do segundo tempo, mas um gol aos 49 da segunda etapa fez o jogo terminar novamente empatado em 2-2, levando a decisão da vaga para os pênaltis. O Tricolor Polenteiro converteu todas as suas cobranças e se classificou.

Com as vagas garantidas, o título seria a cereja do bolo. O outro Rio Branco da final, este sediado na capital do estado, havia superado os dois maiores rivais – Desportiva e Vitória – no caminho até a decisão. Disputada no Estádio Kleber Andrade, a partida de ida foi bastante equilibrada, com as duas equipes mais restritas ao meio-campo mas sem que isso prejudicasse a possibilidade de criar chances de gol. Com o 0-0 no placar, ninguém teria vantagem na partida de volta, disputada no Estádio Olímpio Perim.

Quem esperava um jogo tenso desde o início se assustou com o gol relâmpago do Rio Branco de Venda Nova, marcado pelo artilheiro Rafael Castro. Com somente um minuto de jogo, o Tricolor Polenteiro já se colocava à frente. Apostando nos contra-ataques, o clube mandante pressionou bastante o Capa Preta, seu xará da capital do estado, que não conseguiu criar muitos chances. Na segunda etapa, o jogo se inverteu: houve muita pressão do Rio Branco de Vitória, mas boa parte de suas possibilidades de gol foram defendidas pelo goleiro Giovani Perim. Após o apito do juiz, finalmente havia chegado a hora de comemorar.

Vinícius Zorzal é morador de Venda Nova do Imigrante e torcedor do Rio Branco desde os anos 90. Tal como sua cidade, ele está bem feliz pela conquista do clube. “Vi o time ser vice em 1995, fechar as portas em 1999, retornar em 2016 e agora ser campeão. A torcida está eufórica e não é para menos, é o melhor momento da história do Rio Branco.” A cidade já almejava voos altos desde o início da campanha. “O pensamento aqui sempre foi chegar o mais longe possível”, concluiu.

Após anos de inatividade, poucos poderiam esperar uma ascensão tão rápida. Como foi possível unir a credibilidade de um clube social sem dívidas com o apoio da cidade (que estava presente nas redondezas do estádio mesmo sem poder estar presente nas arquibancadas), esse caminho foi facilitado. O futuro parece ser estrelado para o Tricolor Polenteiro: o clube pretende negociar seu atual estádio, localizado em uma área nobre da cidade, em troca de um terreno maior que permitiria a construção de um centro de treinamento anexo ao novo estádio. Enquanto o planejamento para os próximos anos vai sendo preparado, a torcida pode finalmente bater no peito e comemorar.

Um agradecimento para Vinícius Antunes do Capixabão da Depressão que contribuiu para a realização da matéria

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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