Da mesma forma que surgiu, o Granada 74 sumiu
Nos últimos anos, o futebol volta e meia nos presenteia com uma triste história: a de um clube que muda de cidade depois de ser vendido, após uma conflito entre clube e município ou por puro capricho de seus donos. Aqui no Brasil vimos isso acontecer em algumas ocasiões, e lá fora já tivemos o famoso caso entre Wimbledon e Milton Keynes. Nem todas as mudanças de cidade vingam, em alguns casos o clube voltou à sua cidade de origem alguns anos depois. O ápice do insucesso ocorreu na Espanha, com uma mudança de sede que não durou dois anos.
Para darmos início a esse caso, precisamos voltar a 1999. O Club Deportivo Granada 74 completava 25 anos de fundação e estava na quinta temporada seguida disputando a Tercera División, quarto nível do futebol espanhol. No mesmo ano, o ex-jogador e futuro empresário Quique Pina fundava o Ciudad de Murcia. Em cinco anos, o Granada 74 continuou na Tercera División, chegando a disputar a Copa do Rei em uma ocasião, e o Ciudad de Murcia logrou uma subida meteórica: saiu dos campeonatos regionais para a segunda divisão espanhola.
Nas temporadas 2003-04 e 2004-05, o Ciudad de Murcia, tal como costuma acontecer com um clube recém-promovido em qualquer campeonato, sofreu muito mas conseguiu não ser rebaixado. Na temporada de estreia, uma vitória na última rodada contra o rebaixado Algeciras evitou que a decisão da última vaga do rebaixamento fosse para o primeiro critério de desempate, o confronto direto. Na temporada seguinte, o clube ficou um ponto a frente do 19º colocado, o primeiro a ser rebaixado. Na mesma temporada 2004-05, o Granada 74 foi rebaixado para as divisões regionais após uma má campanha na Tercera División.
A situação do clube murciano mudou da água para o vinho rapidamente. Na temporada 2005-06, o Ciudad de Murcia bateu na trave pelo acesso à primeira divisão, tendo brigado pela subida até a última rodada, na qual o clube venceu seu jogo e teria sido promovido caso o Levante não tivesse ganho a última partida. Na temporada 2006-07 o clube, treinado pelo espanhol José Luis Oltra, não brigou pelo acesso até o final mas fez outra campanha honrosa, terminando em quarto lugar, o primeiro entre os não-promovidos. Na mesma temporada, o Granada 74 sagrou-se campeão da divisão regional e recuperaria uma vaga no quarto escalão do futebol espanhol.
O verbo no futuro do passado não está assim à toa. O clube mais tradicional da cidade, o Granada, que foi um participante assíduo da primeira divisão espanhola nas décadas de 1960 e 1970, vivia de campanhas irregulares na Segunda División B, terceiro nível espanhol. Além disso, o Ciudad de Murcia, embora fosse um clube de ascensão rápida, não tinha uma torcida tão numerosa como a do tradicionalíssimo Real Murcia, que disputaria La Liga na temporada 2007-08. Junte esses ingredientes e você tem a receita ideal para produzir uma mudança de cidade.
Mas se enganou quem achou que isso ocorreu de forma tranquila. O já citado Quique Pina decidiu “leiloar” a vaga do Ciudad de Murcia, uma prática que quase se tornou comum no futebol espanhol – na mesma temporada, o atual campeão da segunda divisão Valladolid esteve a ponto de vender sua vaga na primeira divisão para a recém-rebaixada Real Sociedad. Ainda na situação do clube murciano, interessados não faltaram: o Real Oviedo, agonizando nas divisões inferiores depois de 38 participações na primeira divisão, foi um deles. Outro clube que quis a vaga foi o Mérida UD, sucessor espiritual do Mérida que jogou a primeira divisão na década de 1990 e faliu em 2000.
Nenhum desses pagou tanto quanto o Granada 74, do investidor Carlos Marsá. Segundo informações da Revista Placar de novembro de 2007, estima-se que a transação envolveu um valor entre 20 e 25 milhões de euros – nos valores da época, uma quantia próxima de R$ 60 milhões. Em junho de 2007, na última partida em casa do Ciudad de Murcia, contra o Las Palmas, a torcida apoiou incessantemente os jogadores até o final da partida, quando o alvo da torcida passou a ser Quique Pina: notas de 500 euros com o rosto do mandatário foram jogadas no gramado do estádio La Condomina. Tudo muito bem visto por Marsá, presente na partida.
A mudança exigiu uma nova roupagem para o clube granadino, que não poderia ser mais uma associação e teria que se tornar uma SAD (sociedade anônima desportiva). E não ficou só nisso: a cidade de Granada, proprietária do estádio Los Cármenes, proibiu a “nova” equipe da cidade, que vinha de um município a 280 km de distância, de atuar no campo que era utilizado pelo tradicional Granada CF e pelo Granada Atlético, clube de curta duração que acabou falindo em 2009. Também houve uma oposição feita pela Real Federação Espanhola de Futebol, mas que não impediu a mudança de cidade. O Granada 74 acabou se estabelecendo em Pinos Puente, município próximo da cidade que estava no nome do próprio clube.
Mesmo com a anunciada intenção de Carlos Marsá em manter somente cinco ou seis atletas do antigo Ciudad de Murcia no novo clube, certa parte da base se manteve. Os dois goleiros, José Juan e Jaime, continuaram no clube. Na defesa, parte dos zagueiros também se mantiveram no clube. A mudança de verdade veio na frente: dos atacantes, somente Gaizka Saizar permaneceu entre as temporadas. Os principais atacantes da temporada 2006-07 eram todos emprestados: o sueco Henok Goitom e o brasileiro Schumacher voltaram à Udinese, e o venezuelano Miku Fedor voltou ao Valencia para ser reemprestado ao Gimnàstic de Tarragona.
O Granada 74 teve um início irregular na segunda divisão espanhola e parecia ter se consolidado a partir do segundo terço do campeonato. Em contrapartida, a parte final foi um completo desastre: nas últimas 13 partidas, o clube somou somente seis pontos (todos advindos de empates) e caiu da 10ª para a 21ª colocação entre os 22 clubes. Mesmo com um projeto ambicioso, dado o valor pago por Carlos Marsá para adquirir a vaga na Segunda División, ele não foi adiante na primeira temporada, com o rebaixamento à Segunda División B. Na Copa do Rei o desempenho foi um pouco melhor: o Granada 74 eliminou Sporting de Gijón e Cádiz antes de cair diante do Atlético de Madrid na quarta fase.
A temporada 2008-09 conseguiu ser ainda pior. Na Copa do Rei o clube passou nos pênaltis pelo Alzira e foi eliminado ao perder para o Benidorm na terceira fase, todos eles clubes da Segunda División B. A temporada no grupo 4 do terceiro escalão também foi desastrosa. Com somente cinco jogadores remanescentes do grupo que foi rebaixado, todos eles reservas, uma nova campanha irregular, com direito a duas goleadas de 4-0 sofridas fora de casa contra Antequera e Conquense, selaram mais um rebaixamento na história do Granada 74.
O poço ainda era mais fundo. Em uma grave crise financeira, o clube não pagou o salário de seus jogadores, em dívida que superou a marca de 1,5 milhão de euros – cerca de R$ 4,05 milhões, segundo a cotação do euro em junho de 2009. O clube seguiu o caminho de Linares, San Fernando e Fuerteventura, que também faziam parte da Segunda División B e tinham altas dívidas com seus atletas: todos foram extintos ao fim da temporada. A situação do Granada 74 foi pior, foi o Club Deportivo Granada 74, o original, que atuava como time B da SAD, não foi inscrito em nenhum campeonato na temporada 2009-10 por decisão de Carlos Marsá. Até hoje o clube segue na inatividade.
Quique Pina ainda conseguiria dar uma volta muito grande em toda a história. Mesmo depois de ter vendido o Ciudad de Murcia, sua relação com o esporte seguiu forte. Dois anos depois, substituiu Ignacio Valdivia na presidência do Granada CF, clube tradicional e conterrâneo da extinta equipe que foi o assunto desse texto. Quique Pina foi presidente até 2016 e nesse período o clube alvirrubro saiu da terceira para a primeira divisão, além de ter se transformado em um participante assíduo de La Liga. Depois da saída dele, o Granada foi vendido a um grupo chinês e em 2017, Quique passou a ser conselheiro do Cádiz.
No final, o único clube que existe até hoje é o Ciudad de Murcia. A equipe B foi realocada para Lorquí e por lá permaneceu por três anos até falir devido a dívidas que batiam os 700 mil euros. Em 2010, logo depois da falência do Atlético Ciudad, torcedores fundaram o CAP Ciudad de Murcia, que saiu do sétimo nível do futebol espanhol e atualmente está se alternando entre a Tercera División e a Preferente Autonómica de Murcia, quarto e quinto níveis do futebol espanhol.