O Campeonato das Nações Africanas adiciona um novo aspecto às competições de seleções

O Campeonato das Nações Africanas adiciona um novo aspecto às competições de seleções
Créditos: reprodução/90Min

Boa parte das competições de seleções que existem atualmente não são recentes. A Copa América é centenária, a Eurocopa foi criada em 1960, a Copa Africana de Nações e a Copa Ásia são da década de 1950, e tanto a Copa Ouro como a Copa das Nações da Oceania tem mais de 40 anos desde sua primeira realização em um formato distinto do utilizado atualmente. Há pouco menos de 15 anos, a Confederação Africana de Futebol esboçou um novo torneio com um formato distinto: ali nascia o que viria a ser o Campeonato das Nações Africanas.

Tudo começou em uma reunião do comitê executivo da CAF no ano de 2007. Desde o início das tratativas, os objetivos sempre foram os mesmos: permitir que jogadores do continente tivessem uma vitrine e dar a eles a possibilidade de atuarem por suas seleções. A saída em massa dos jogadores africanos para outros mercados, em especial o francês e o inglês, levou embora a maioria dos talentos do continente, em grande parte para a Europa.

Isso fica claro quando observamos que em todas as edições do prêmio de “Jogador Africano do Ano” promovido pela CAF desde 1992, somente um atleta que atuava no continente foi premiado, o caso do egípcio Mohamed Aboutrika em 2008. É o que também acontece com a maioria absoluta das seleções fora da Europa que sofrem do mesmo mal e raramente montam uma equipe com atletas que majoritariamente atuam no próprio campeonato nacional.

A ideia foi aprovada e anunciada durante a realização da Copa Africana de Nações de 2008. Como foi possível perceber, os nomes das competições são bem similares. O que difere a Copa Africana de Nações do Campeonato das Nações Africanas é a elegibilidade dos jogadores: na primeira, jogadores que estão atuando em qualquer país do mundo podem ser convocados; já no segundo, somente os atletas que atuam em seu próprio país podem ser convocados para sua seleção. Ou seja, a seleção egípcia que disputaria esse torneio seria composta de atletas egípcios que atuam no Al Ahly, Ismaily, Zamalek, Pyramids, Wadi Degla e outros clubes locais.

O Campeonato das Nações Africanas segue o mesmo rito de seu torneio coirmão: existe uma fase de qualificação e a fase final, que é disputada com 16 participantes (oito a menos que a Copa Africana de Nações) em uma sede fixa. Por alguns motivos que vão da simples falta de vontade de participar até a falta de dinheiro de algumas federações, nem sempre as 54 seleções estão representadas nas eliminatórias. O país que se ausenta com mais frequência da fase classificatória é o Egito, que tem uma das ligas mais fortes do continente mas também tem um calendário doméstico confuso e que dificulta a criação de uma seleção formada unicamente por atletas da liga local.

À primeira vista, é possível observar uma característica própria do torneio: a média de gols, que habitualmente fica entre 1,80 e 2 gols por partida, uma redução se comparada ao mesmo dado da Copa Africana de Nações, cuja média de gols costuma ficar acima dos 2,05 tentos por jogo – um valor mais próximo do encontrado nas ligas locais. Embora ele consiga representar os campeonatos mais fortes do continente, nem sempre as ligas mais competitivas do continente estão presentes na fase final do Campeonato de Nações Africanas – as eliminatórias são regionalizadas.

Com isso, podemos traçar um paralelo entre as seleções presentes e algumas das ligas mais fortes. O Campeonato das Nações Africanas costuma ter a presença maciça do Marrocos, casa de Raja e Wydad Casablanca; da República Democrática do Congo, casa do pentacampeão continental Mazembe; e da Zâmbia, cuja liga é a sétima colocada nos coeficientes da CAF. Outros países de campeonato forte, como Tunísia, Argélia e África do Sul, não costumam participar do Campeonato das Nações Africanas com muita frequência – no caso das seleções do norte da África, a ausência acontece principalmente pela pequena quantidade de vagas para a região.

Desde a implementação do torneio, há uma regra básica que define sua periodicidade: o Campeonato Africano de Nações acontece a cada dois anos e fica situado nos espaços entre uma e outra Copa Africana de Nações. As últimas três edições da copa de seleções locais aconteceram em 2015, 2017 e 2019, logo as últimas três edições do campeonato de seleções formadas por atletas locais aconteceram em 2016 e 2018. A ausência de 2020 foi proposital, pois a competição que aconteceria em junho passado foi transferida para o início de 2021 devido a pandemia de covid-19.

Originalmente, a edição 2020 do torneio estava marcada para o mês de abril e seria disputada na Etiópia, que abriu mão da organização com um ano de antecedência. Desde então, Camarões passou a ser o país-sede da competição que foi adiada para junho e finalmente para janeiro. A pandemia do novo coronavírus adicionou um novo desafio na organização do torneio que foi sediado em três cidades locais: Yaoundé, Douala e Limbe. 19 protocolos foram elaborados visando a presença do público nas arquibancadas, que variou entre 25 e 50% ao longo de toda a competição. Mesmo com a atipicidade do calendário, o Campeonato das Nações Africanas seguiu com o limite de três substituições por equipe dentro dos 90 minutos regulamentares.

A sexta edição do Campeonato das Nações Africanas teve início no dia 16 de janeiro, com as vitórias de Camarões (sobre o Zimbábue) e Mali (em cima de Burkina Faso), ambas por 1-0. Das 16 seleções, somente Togo fez sua estreia; das quatro seleções ex-campeãs, três estavam presentes (Líbia, Marrocos e Rep. Dem. do Congo) e uma desistiu (Tunísia). A primeira fase aconteceu sem muitos sustos e a seleção de Ruanda foi a única surpresa a avançar para a segunda fase.

A surpresa durou pouco, pois a seleção de Ruanda foi eliminada nas quartas de final após uma derrota para Guiné pelo placar mínimo. Mali bateu o Congo nos pênaltis, enquanto o Marrocos avançou de fase após vencer a Zâmbia por 3-1 e Camarões triunfou sobre a Rep. Dem. do Congo por 2-1. As quatro seleções semifinalistas estão entre as mais tradicionais do continente e não são comandadas por seus treinadores principais; normalmente, o treinador que participa do Campeonato das Nações Africanas é do próprio país e tem uma função secundária quando a seleção principal está atuando.

As semifinais ocorreram na última terça-feira (3) e tiveram finais diferentes: enquanto Mali passou nos pênaltis mais uma vez, dessa vez por Guiné, a seleção marroquina goleou Camarões por 4-0 e carimbou a vaga na final, que será disputada neste domingo (7). Apesar de ser o país-sede, Camarões não conseguiu sequer sair com as medalhas de bronze após perder a decisão de terceiro lugar para os guineenses por 2-0.

Os países presentes na decisão do Campeonato das Nações Africanas apresentam ideias opostas. Por um lado, a seleção do Marrocos marcou 13 gols e sofreu três nas cinco partidas que disputou até o momento. O destaque do time é o atacante Soufiane Rahimi, artilheiro do torneio com cinco tentos e que já era convocado por Vahid Halilhodžić para a seleção principal. Por outro lado, Mali tem a seu favor a solidez defensiva de um time que levou somente um gol em toda a competição. O principal destaque do setor é o goleiro Djigui Diarra, que defendeu um pênalti na disputa da semifinal e atua pelo Stade Malien. O problema dos malineses está no ataque, que marcou três gols nas cinco partidas que fez.

Seja quem for o campeão, há a certeza do ganho de visibilidade e do orgulho de levantar uma taça representando seu país. Por já estarem em ligas tradicionais, dificilmente os jogadores marroquinos e malineses conseguirão uma transferência para outros campeonatos fortes do continente, como aconteceu com jogadores de seleções menos conhecidas. De uma forma ou de outra, é sempre interessante ver as seleções nacionais se aproximando do público de seu país – algo que este torneio busca corrigir dentro da África e que a América do Sul sente muita falta.

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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