O futebol cearense é a bola da vez
No último final de semana, duas vitórias pelo placar mínimo em cima de times organizados selaram a classificação de Fortaleza e Ceará à final do estadual, a terceira consecutiva entre a dupla da capital. No meio de semana, vitórias da mesma dupla selaram a classificação de ambos na Copa do Nordeste. Há quatro anos atrás, nem o mais otimista torcedor cearense poderia esperar que o futebol de seu estado teria evoluído tanto em tão pouco tempo.
Isso fica muito claro se analisarmos o progresso de vários clubes do estado ao longo desse período. O Ceará deixou de ser um clube de meio de tabela na Série B e após o acesso de 2017, o Alvinegro de Porangabuçu conseguiu pela primeira vez desde a década de 1980 três participações consecutivas na Série A. Um trabalho que foi fruto de boas administrações, tal como no Leão do Pici. Depois de anos batendo na trave na Série C, o esforço foi coroado com dois acessos seguidos e uma vaga inédita na Copa Sul-Americana.
Futebol não se faz somente com demonstrativos financeiros, mas as matérias escritas por Rodrigo Capelo no GloboEsporte.com referentes aos balanços de Ceará e a Fortaleza deixam bem claro o motivo do sucesso recente e a felicidade dos torcedores. Com a reorganização no caixa e o sucesso esportivo que permitiu o crescimento das receitas, a dupla deve passar o período de pandemia mais tranquila do que alguns de seus rivais de Série A que não tinham dívidas controladas e que tiveram suas receitas reduzidas durante a paralisação.
Mas o que dizer dos clubes de menor investimento? Vamos começar pelo Ferroviário, que há quatro anos disputava a segunda divisão estadual. Um acesso fora de campo após a desistência de um clube permitiu o retorno à elite, que veio muito bem acompanhado de um vice-campeonato estadual e uma vaga na Copa do Brasil. Em 2018, o time dentro de campo seguiu bem montado e fez o possível e o impossível para marcar o torcedor coral com suas campanhas na Copa do Brasil, competição na qual foi eliminado na quarta fase, e na Série D, que teve o Ferrim como campeão.
As outras equipes, em sua maioria, demonstraram uma evolução recente. O Atlético Cearense, que se chamava Uniclinic até a aquisição do clube pelo atacante Ari, atualmente no Krasnodar, deixou de se alternar entre as duas primeiras divisões e passou a ter campanhas mais consistentes, incluindo uma participação na Copa do Brasil. Outras equipes, como Guarany de Sobral e Caucaia, fizeram jogos duros contra os rivais que disputam a Série A nacional.
Segundo Leandro Paulo, apresentador do programa “Futebol no Interior” da Rádio Cidade FM de Caruaru e espectador assíduo do futebol brasileiro, uma junção de fatores causou esse crescimento. “O interior conseguiu brigar por título nos últimos 30 anos, diferente do que acontece em outros estados. A Copa Fares Lopes também motiva os pequenos, garantindo vaga na Copa do Brasil e dinheiro. Clubes tradicionais do interior do Nordeste não tiveram a mesma receita do Barbalha nos últimos anos.”
Leandro também cita a realidade que os clubes do estado vivem e como ela auxilia o crescimento. “As divisões inferiores são fortes e revelam jogadores a custo baixo, dando suporte ao elenco dos grandes. Além disso, o sucesso na Série A motivou, com os pés no chão, a competitividade entre Ceará e Fortaleza.”
Mesmo com o destaque recente de Guarany de Sobral e Caucaia, o interior passou pela queda de clubes tradicionais, como Icasa e Guarani de Juazeiro. No entanto, se a primeira divisão perde com a ausência deles, a segunda ganha e muito. O interior está presente em larga escala na Série B, compondo mais da metade dos participantes.
Fato é que a evolução do futebol cearense é bem evidente, algo evidenciado pelos números do Ranking da CBF. Desde 2017, o estado do Ceará vem tendo um crescimento em sua pontuação, calculada através do desempenho dos clubes do estado ao longo das últimas cinco temporadas. A competitividade dos clubes nas Séries C e D, aliada ao crescimento da dupla da capital, permitiu a aproximação ao estado de Pernambuco, que vem em uma queda de pontos. Previsões feitas com a pontuação mínima possível para cada um dos clubes já demonstram que a ultrapassagem é quase inevitável.
Caso essa ultrapassagem ocorra, o futebol cearense ganharia uma vaga na fase preliminar da Copa do Nordeste e uma vaga na Série D, ambas procedentes do futebol pernambucano. Podemos ver mais uma oportunidade de fortalecimento dos clubes locais ao conseguirem uma vaga em uma competição regional tirando uma “vaga cativa” de um dos integrantes do trio de ferro recifense.
Essa provável mudança também cria outra possibilidade aos clubes do Ceará: a de mais uma vaga na Série D e consequentemente a de mais um clube com calendário estendido por toda a temporada. Aliando estadual, Série D e Taça Fares Lopes, temos de sete a nove meses de calendário garantido aos clubes do estado, abrindo uma chance de fidelizar a presença de torcida nos estádios e fazer planejamentos a longo prazo.
É sempre muito interessante quando vemos os clubes de menor investimento dos estados fortes e competitivos. Isso acontece de forma bem clara nos campeonatos Paulista, Gaúcho e Catarinense, com equipes apoiadas por suas cidades e vivendo além da ideia de “jogar contra os grandes para conseguir renda”. O futebol brasileiro agradece caso tenhamos mais um estado do país em situação similar.