A UEFA nos apresenta os desafios das competições de futebol em meio a pandemia de Covid-19

A UEFA nos apresenta os desafios das competições de futebol em meio a pandemia de Covid-19

As fases qualificatórias da Liga dos Campeões e da Liga Europa são um campeonato à parte. Na busca por vagas na fase de grupos e um maior rendimento financeiro, clubes de mais de 40 países disputam cinco etapas com adversários que podem ser clubes de países recém-filiados à UEFA ou equipes tradicionais de países com história no futebol do continente. Por ser uma etapa distinta, não raramente fica à margem da mídia, ocorrendo inclusive durante o período de realização da Copa do Mundo, da Eurocopa ou, como nesta temporada, da fase final da Liga dos Campeões da temporada anterior. Essa falta de espaço acabou ocultando um problema que pode acontecer com qualquer time dentro do contexto da pandemia.

Desde a temporada 2018-19, tanto a Liga dos Campeões como a Liga Europa ganharam uma nova fase preliminar, disputada logo no início do calendário, com participantes dos países de pior coeficiente. No caso da Liga dos Campeões, essa fase preliminar é disputada em campo neutro, com duas semifinais, uma final e seu vencedor avançando à primeira fase qualificatória. Tanto a fase preliminar da Liga Europa como todas as outras fases qualificatórias de ambos os torneios normalmente são disputadas em duas partidas, gerando histórias interessantes, como a do clube formado por universitários de Cardiff que foi eliminado no gol fora de casa na última edição da Liga Europa.

A pandemia do novo coronavírus atrasou bastante a realização dessas partidas e a UEFA teve que tomar uma medida drástica, cortando muitas datas das fases qualificatórias. Com exceção da fase preliminar e do play-off da Liga dos Campeões, todas as disputas serão em jogo único, com mando sorteado previamente. Se por um lado isso gera a imprevisibilidade que pode comprometer a participação de Tottenham ou Milan, que disputarão as fases qualificatórias da Liga Europa, por outro o resultado esportivo pode ficar comprometido, estamos na maior pandemia dos últimos cem anos e já vimos inúmeros casos ao redor do mundo de jogos que precisaram ser adiados por causa de surtos de covid-19.

Já pensando nisso, a organização presidida por Aleksander Čeferin determinou algumas regras para a realização de partidas. A maior parte do documento da UEFA fala em restrições de viagem por determinações dos países, o que até o momento não foi um problema. O calo aperta justamente no tópico relacionado aos testes e a possibilidade de haver ou não partida, conforme destacado no item 2.1 do documento da UEFA e traduzido abaixo:

Se um ou mais jogadores ou membros da comissão técnica de um clube testarem positivo para Covid-19 nos testes requisitados pelo Protocolo de Retorno ao Jogo da UEFA, a partida ocorrerá a não ser que as autoridades nacionais/locais de um ou dos dois clubes envolvidos ou de onde o jogo acontecerá (no caso de campo neutro) peçam que um grande grupo de jogadores ou o elenco inteiro entre em quarentena. Se ao menos 13 jogadores registrados na lista A (incluindo ao menos um goleiro) estiverem disponíveis, o jogo deve acontecer na data prevista. Se menos que 13 jogadores da lista A ou nenhum goleiro registrado estiver disponível, a UEFA pode permitir a remarcação do jogo de acordo com a data-limite estabelecida […], caso a autoridade nacional/local faça novos testes que possam permitir um número suficiente de atletas (no mínimo 13, incluindo no mínimo um goleiro) para a disputa da partida.

Em contra-partida, o clube pode escalar jogadores que não foram registrados na UEFA dentro dos prazos estabelecidos no regulamento, garantindo que estes jogadores (I) estão devidamente regularizados na federação nacional […] e (II) tenham testado negativo […]. Se não for possível remarcar o confronto de acordo com a data-limite […], o clube que não puder disputar o jogo será responsabilizado pela não-realização da partida e o jogo será declarado […] como abandonado pelo clube, sendo considerado que ele perdeu o jogo por 3-0.

Os problemas começaram na fase preliminar. Normalmente ela era jogada em um dos quatro países com clubes participantes, mas na atual temporada ocorreu em Nyon, próximo à sede da UEFA. As semifinais correram bem e o problema apareceu na final. O kosovar Drita, que havia vencido o andorrano Inter d’Escaldes, enfrentaria o norte-irlandês Linfield se não fosse pela ocorrência de dois casos de covid-19 no clube balcânico. As equipes foram avisadas do adiamento no dia do jogo, 11 de agosto. Segundo o calendário determinado pela UEFA no documento supracitado, a data-limite para a realização do jogo seria dia 14 de agosto. Ele acabou não acontecendo, pois as autoridades suíças determinaram quarentena para todo o time do Drita, que perdeu o jogo por 3-0 em placar atribuído pela UEFA.

O Linfield enfrentou o Tre Fiori, mas não entrou em campo na final da fase preliminar (foto: Sean O’Flaherty/Linfield FC)

A semana seguinte reservou três situações similiares. O primeiro problema ocorreu novamente na Liga dos Campeões: o eslovaco Slovan Bratislava havia viajado até as Ilhas Faroe para enfrentar o KÍ, atual campeão local. Houve um caso positivo na comissão técnica do Slovan e todo o elenco do clube eslovaco foi colocado em quarentena. A partida, que ocorreria no dia 19 de agosto, foi adiada para o dia 21, data-limite para a realização da primeira fase qualificatória da Champions. O Slovan Bratislava enviou um novo elenco à Klaksvík para a partida remarcada, e no mesmo dia 21 de agosto houveram testes positivos no plantel eslovaco. Sem outra opção, a partida foi cancelada e a UEFA ainda não se pronunciou oficialmente sobre o resultado final, mas tudo indica que será o KÍ a enfrentar o Young Boys pela segunda fase qualificatória.

Na Liga Europa, vamos relatar as situações de forma cronológica. No dia 18 de agosto, haveria em Gibraltar o confronto entre os locais Lincoln Red Imps e o kosovar Prishtina, que teve oito casos de covid-19 no time principal. O plantel foi mandado de volta ao Kosovo e a solução encontrada pelo “Plisat” foi recorrer a jogadores de outros clubes do país, como Feronikeli e Trepça ’89, para que a partida pudesse acontecer. Como as regras da UEFA permitiam uma situação do tipo, não haveria problema algum caso oito dos “novos” atletas do Prishtina tivessem testado positivo. O jogo foi cancelado já com os Red Imps em campo, diferente do que aconteceu na primeira tentativa de se jogar, cancelada com algumas horas de antecedência. Novamente, a decisão está nas mãos da UEFA.

O outro clube kosovar classificado às competições continentais, o Gjilani, teve um caso positivo de covid-19 no elenco e se viu em uma situação perigosa, pois o jogo contra o Tre Penne em San Marino estava marcado para o dia 20 de agosto e só haviam mais dois dias disponíveis antes da data-limite. No entanto, as autoridades do país não exigiram uma quarentena obrigatória para todo o elenco. No dia seguinte, com todo mundo testado e negativado, a partida ocorreu e terminou com vitória do Gjilani por 3-1. A próxima missão dos kosovares na Liga Europa será dentro de casa, no dia 27 de agosto, contra o APOEL.

Esses casos nos passam duas mensagens: a primeira é com relação ao próprio cenário continental. Sabemos que o calendário destas fases iniciais costuma ser bem apertado, mas há um espaço de três semanas entre duas das fases qualificatórias presentes em ambas as competições. A maioria dos campeonatos nacionais da temporada europeia ainda não teve início. Havia uma real necessidade das datas serem apertadas dessa forma? Este tratamento com os clubes de países de futebol menos qualificado também será utilizado com algum clube dos principais centros do futebol europeu? Vale ressaltar que nas últimas fases qualificatórias o prazo de realização das partidas será tão apertado como os que foram estabelecidos para essas fases iniciais.

A outra não se restringe somente às fronteiras europeias. Até que ponto podemos culpar um clube por casos de covid-19 em seu elenco? Tivemos surtos do novo coronavírus em alguns clubes do país nas últimas semanas. A CBF chegou a pressionar o CSA pela realização de uma partida, algo que felizmente acabou sendo em vão e não teve consequências piores. Como os organizadores reagirão a situações como a vivida pelo Slovan Bratislava e pelos times kosovares? Como será a reação do apertado calendário do futebol a um clube que precise passar por quarentena? Haverá algum prejuízo desportivo para as equipes que tiverem casos e ficarem com poucos dias de folga?

Em nosso país, a Copa do Brasil recomeçará na próxima terça-feira (25). Já sabemos que o calendário até o final de 2021, incluindo a atual e a próxima temporada, será extremamente corrido, com dois jogos por semana a perder de vista. O que acontecerá com um clube que estiver brigando pelo acesso em uma divisão inferior ou em uma fase avançada de mata-mata? O jogo acontecerá mesmo podendo ferir o princípio da contemporaneidade das rodadas finais ou será necessária uma medida mais enérgica? É uma situação que torcemos para que não aconteça com clube nenhum, mas que certamente será um “evento-teste” para outros campeonatos e esportes que precisarem lidar com o novo coronavírus.

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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