Geografia da Bola – O Derby de Mostar
O futebol, como um movimento de massas, acaba se associando de maneira muito íntima com o mundo ao seu redor, explicando histórias e conflitos. No fim do Século XX, a dissolução da Iugoslávia em vários países, fez a península dos Balcãs, no Leste Europeu se tornar um grande barril de pólvora. As guerras na Croácia, Bósnia e Herzegovina, Kosovo e Montenegro redesenharam mapas e a geopolítica após a Guerra Fria e o futebol se relaciona muito com todos esses conflitos, como o Derby da cidade de Mostar, na Bósnia entre Velez Mostar e o HŠK Zrinjski.
A cidade de Mostar é uma das mais importantes cidades bósnias medievais, dividida pelo rio Neretva entre o lado oeste de maioria católica croata e o leste de maioria bósnia muçulmana, além da presença de sérvios ortodoxos. Mostar também foi palco de um dos episódios mais brutais da história recente. Após a emancipação da Bósnia em 1992, o país mergulhou numa sangrenta guerra civil em que croatas bósnios e bósnios começaram a se enfrentar, causando uma intervenção direta da também recém independente Croácia. O exército croata e milícias croatas étnicas fizeram um grande cerco ao lado oriental com intensos bombardeios, culminando até na destruição do maior símbolo da cidade, a ponte Stari Most, destruída por um míssil, sendo reconstruída apenas em 2004, uma década após o fim do cerco. A cidade só começou sua reconstrução em 2011, mas até hoje exibe as cicatrizes dos bombardeios como lembrança dos horrores da guerra.
O Zrinjski, maior campeão nacional após a independência, foi fundado no lado ocidental por croatas étnicos, tanto que seu nome completo é Hrvatski Sportski Klub Zrinjski Mostar (Clube Croata de Esportes Zrinjski Mostar) e seu escudo tem o famoso padrão quadriculado do país vizinho. Durante a Segunda Guerra Mundial, tropas do grupo fascista Ustase instauraram na região o Estado Independente da Croácia, incorporando o território croata e bósnio num Estado fantoche da Alemanha. Com a criação do campeonato do EIC, a equipe do Zrinjski abandonou o Campeonato Iugoslavo para disputar o novo torneio e após a reconquista da Croácia pelos guerrilheiros comunistas de Josip Tito em 1945, o EIC foi dissolvido e o Zrinjski foi banido por lei. Em 1992, com a revogação da lei que previa o banimento de clubes com ligações fascistas durante a Segunda Guerra Mundial, foi refundado.
Já o Velez, também historicamente instalado no lado oriental, tem ligação com as três etnias da cidade e foi o clube bósnio mais bem sucedido na Iugoslávia, chegando até as quartas de final da Copa da UEFA de 1974/75 e possuía laços com o partido comunista local. No entanto, após a guerra civil, entrou numa grave crise: com o ressurgimento do Zrinjski, grande parte dos torcedores croatas migaram para o clube renascido, e durante o cerco, teve seu estádio Bijeli Brijeg tomado em 1992 pelos croatas, que o cederam ao Zrinjski, que até hoje manda seus jogos lá.
A equipe do Velez foi obrigada a construir uma nova casa no lado oeste, o Rodeni; no entanto existe uma grande pressão para que os rivais devolvam o estádio, o segundo maior do país para os antigos donos. Após a guerra, o Velez entrou numa grave crise financeira, sendo rebaixado duas vezes para a segunda divisão. Porém, em 2022, venceu a Copa da Bósnia, além de participar das duas edições da Conference League.
Dentro de campo, o primeiro Derby de Mostar moderno foi disputado somente em 2000 e terminou 2×2. O Zrinjski é o maior vencedor do clássico com 33 vitórias, enquanto o Velez venceu 20. Os jogos são sempre marcados por muita tensão entre as duas torcidas com inúmeros enfrentamentos de hooligans dos dois lados, expondo toda a tensão dos tempos de guerra.
