O reencontro entre Fabril e Porto após mais de 40 anos foi o ponto alto da Taça de Portugal
Não é novidade para ninguém que as copas nacionais são um celeiro de confrontos entre as equipes grandes e as de menor investimento. Em qualquer país, quando você quer ver dois estilos de jogo distintos, estádios pequenos recebendo clubes de primeira divisão e uma torcida fiel apoiando seu time, acompanhe os confrontos da copa. Melhor ainda quando as zebras acontecem. Não foi o caso da tarde deste sábado em Barreiros, mas de todo modo a Taça de Portugal presenteou o futebol com um confronto marcante entre o Fabril e o Porto.
Sabemos que em um esporte centenário como o futebol é bem comum que as equipes oscilem entre as divisões quando há uma pirâmide estruturada por bastante tempo. Não é o caso brasileiro, mas mesmo assim temos equipes que jogaram a primeira divisão na década de 1970 e hoje estão sumidas do holofotes, como o Tiradentes PI e a Francana. Em outros países a oscilação fica evidente pela situação financeira instável de muitas equipes ou por más administrações. O caso do Fabril tangencia esses dois motivos, mas o principal motivo foi outro.
Fundado em 1937 como Grupo Desportivo da CUF, a equipe alviverde teve sua origem na Companhia União Fabril, empresa portuguesa do ramo químico fundada em 1865. Originalmente, o foco da CUF era a produção de velas, sabões e óleos vegetais. Porém, diante de uma crise financeira, a empresa viu-se obrigada a se fundir com a Companhia Aliança Fabril, administrada por um jovem Alfredo da Silva. Foi sob a gerência dele que a nova CUF passou a produzir adubos e a crescer vertiginosamente dentro do mercado português.
Na década de 1930, a CUF tinha fábricas espalhadas por todo o país: Lisboa, Alferrarede, Soure, Canas de Senhorim, Mirandela e Barreiro. Excetuando o sul de Portugal, todas as outras regiões do país possuíam uma fábrica da CUF. O clube foi fundado em janeiro de 1937 na cidade de Barreiro, passando rapidamente a fazer concorrência com o tradicional Barreirense, duas vezes vice-campeão do Campeonato de Portugal. O nome original durou pouco: em 1940 os clubes da CUF viram-se forçados a mudarem de nome pois o Estado Novo português não permitiu que clubes esportivos tivessem seu nome relacionado a alguma empresa.
Foi assim com o clube do Barreiro e também com o CUF de Lisboa. Na temporada 1942-43, ambos se encontraram na Primeira Divisão sob os nomes de União de Lisboa e União do Barreiro. Foi a primeira temporada do clube barreirense na elite portuguesa, uma temporada traumática pois a equipe foi rebaixada imediatamente e também viu seu patrono, Alfredo da Silva, falecer. Depois dessa curta passagem pela Primeira Divisão, o CUF (nome retomado em 1944) voltou à principal divisão do futebol lusitano na temporada 1954-55.
Ali se iniciou uma passagem muito bem sucedida do clube: foram 22 temporadas consecutivas na Primeira Divisão portuguesa. Na maioria das vezes os alviverdes tiveram campanhas estáveis na elite local, mas chegaram a passar perto do rebaixamento no final da década de 1950. Na temporada 1959-60, veio a primeira campanha de destaque: um quinto lugar entre as 14 equipes participantes. Em 1961-62, veio uma campanha que pôs o CUF no quarto posto. Na temporada 1964-65, o clube conseguiu sua melhor campanha na história da primeira divisão: um terceiro lugar, situando-se atrás somente de Benfica e Porto e que credenciou o CUF à disputa da Copa das Feiras.
A campanha daquela temporada foi a “virada de chave” que a equipe precisava para se consolidar entre as principais do futebol lusitano. O nível da infraestrutura do clube era um dos melhores do país e havia estabilidade dos jogadores, pois boa parte dos atletas eram operários da fábrica da CUF e treinavam após o término do expediente. No verão de 1965, o clube ainda ganhou um novo estádio, chamado de Alfredo da Silva e com capacidade para 22 mil pessoas. Ele substituiu o antigo Campo de Santa Bárbara e foi o marco do bom trabalho que era feito em Barreiro, tanto que é utilizado pelo clube até os dias atuais.
Também foi em 1965 o que podemos considerar um dos maiores feitos da história do clube. Com o terceiro lugar na temporada 1963-64, o CUF pôde disputar a Copa das Feiras, uma versão prévia do que passou a se chamar Copa da UEFA em 1972. Com um estádio lotado, os alviverdes venceram o Milan de Cesare Maldini, Giovanni Trapattoni e Amarildo dentro de casa por 2-0. A derrota na volta forçou um terceiro jogo, no qual o CUF saiu derrotado. Posteriormente eles voltaram a jogar a Copa das Feiras em outra ocasião, a Copa da UEFA em 1972-73 e duas edições da Copa Intertoto, conquistando o grupo 10 na temporada 1974-75.
O futebol era o carro chefe de um clube poliesportivo. O Grupo Desportivo da CUF também mantinha equipes no atletismo, basquete, ciclismo, remo, vôlei e hóquei sobre patins. No entanto, boa parte disso foi abaixo na década de 1970. Com a Revolução dos Cravos em 1974, a CUF foi estatizada e pouco tempo depois, a fábrica deixou de investir no clube. Com a falta de dinheiro, os sucessos dentro de campo se tornaram reveses e o CUF foi rebaixado na temporada 1975-76. Desde então, nunca mais disputaram a elite portuguesa.
Foram anos de ostracismo, alternando entre a Segunda e a Terceira Divisão ao longo de mais de 15 anos, até a queda aos distritais na temporada 1991-92. O CUF nem se chamava mais CUF, pois desde 1980 o clube de Barreiro passou a se chamar Grupo Desportivo Quimigal. Em 2000 o retorno aos campeonatos nacionais aconteceu, junto da adoção de uma nova nomenclatura após decisão dos sócios: Grupo Desportivo Fabril, fazendo menção à ligação do clube com a fábrica.
Já se vão quase 30 anos desde a primeira queda ao Distrital de Setúbal e de lá para cá o clube sofreu inúmeros acessos e descensos, sempre alternando entre a primeira divisão distrital e o último nível do futebol nacional, que foi por muito tempo a Terceira Divisão e hoje é o Campeonato de Portugal. Sem tantas possibilidades de crescer nacionalmente, o clube teve uma campanha histórica na temporada 2012-13 da Taça de Portugal. Após eliminar quatro equipes da mesma divisão, o Fabril chegou às oitavas de final da taça, sendo eliminado para o Belenenses no Estádio do Restelo.
Na última temporada, o Fabril jogou o grupo D do Campeonato de Portugal. Como quase todo grupo da terceirona portuguesa, temos uma boa quantidade de equipes tradicionais na disputa: Olhanense, Alverca, Oriental e Fabril eram alguns dos nomes que jogaram o grupo D. O clube do Barreiro estava fazendo uma campanha ruim, situando-se na 16ª posição após 25 rodadas, dentro da zona de rebaixamento. Com o cancelamento do campeonato, não houve rebaixamento e o Fabril pôde permanecer na terceira divisão.
Com um dos orçamentos mais baixos do Campeonato de Portugal, cerca de R$ 25 mil/mês, o Fabril não apresenta dívidas, mas a possibilidade de ser competitivo fica prejudicada com uma quantia pequena para se trabalhar. Daí vem a importância da Taça de Portugal. Após eliminar o Rabo de Peixe e o Vitória de Sernache nas duas fases iniciais, o clube barreirense já havia garantido cerca de R$ 32 mil na premiação pela participação na Taça de Portugal. Com o confronto diante do Porto, ainda haverá a receita da televisão, que dará um gás interessante no planejamento financeiro do Fabril.
Foi a primeira partida em mais de 40 anos contra um dos três grandes. O Fabril não enfrentava Porto e Sporting desde 1976, ano da última participação dos alviverdes na Primeira Liga. Contra o Benfica o último confronto foi em 1979, uma derrota por 3-0 na Taça de Portugal. Todo esse contexto deu uma aura interessante à partida do último sábado, pois havia uma expectativa muito grande do que poderia acontecer dentro de campo.
Não foi a melhor partida para os barreirenses. O Fabril soube se defender muito bem, mas não conseguiu parar o ataque do Porto mesmo com as grandes defesas do goleiro João Marreiros. No final do primeiro tempo, Toni Martínez conseguiu emendar uma bicicleta e abrir o placar para o Porto. No início da segunda etapa, uma boa trama de ataque permitiu que Mehdi Taremi aparecesse bem posicionado na área para marcar o gol que definiu o placar a favor dos portistas.
A zebra não passeou muito nas 24 partidas que a terceira fase da Taça de Portugal teve ao longo dos últimos três dias. Somente dois jogos tiveram a vitória de uma equipe de divisão inferior, com a principal sendo a vitória do União de Leiria sobre o Portimonense por 1-0. De todo modo, mesmo com o resultado adverso dentro de campo, o Fabril pôde desfrutar de um espaço no futebol português que não tinha há muito tempo. A torcida espera que o clube possa ao menos retomar uma fração do sucesso que teve, apesar dos desafios que o futebol apresenta no atual período. O futebol português agradeceria.