O tradicional formato de pontos corridos passa por inovações na Europa

O tradicional formato de pontos corridos passa por inovações na Europa
Foto: divulgação/Romania Insider

Berço do futebol, o continente europeu nos presenteou com as primeiras competições em inúmeros formatos que são utilizados até hoje. A Copa da Inglaterra, primeira competição mata-mata da história do futebol, completará 150 anos de existência em novembro. A liga inglesa, primeiro campeonato em pontos corridos, nasceu em 1888 e seu formato de todos contra todos resiste até hoje. As competições internacionais de clubes também são bem antigas – a Copa Mitropa, disputada por equipes do sul da Europa, foi criada em 1927.

Apesar do sucesso dos pontos corridos, modelo utilizado em larga escala pela maioria dos países com um campeonato nacional bem estabelecido, nem sempre o todos contra todos foi suficiente para as ligas de inúmeros países do Velho Continente. Com a intenção de adicionar emoção na reta final ou conceder mais datas aos clubes participantes, alguns países criaram uma fase final em seus campeonatos.

O mata-mata na Europa

Atualmente, todos os 54 países europeus que possuem uma liga nacional tem ao menos um turno de confrontos entre os participantes. Destes, o único que possui uma fase final em mata-mata é o campeonato de San Marino, um dos mais fracos do continente e que é disputado por 15 equipes. Por muitos anos, os participantes foram divididos em dois grupos e seis times se classificavam à fase final. O mata-mata samarinês era o único do mundo do futebol a ser disputado no formato de eliminatória dupla – neste sistema, toda equipe precisa perder duas vezes para ser eliminada da disputa.

O regulamento foi modificado para a temporada 2020-21: as 15 equipes locais jogariam entre si em turno e returno. Devido à pandemia de covid-19, o formato passou por uma pequena alteração e a primeira fase foi disputada em turno único. 12 clubes avançaram ao mata-mata: os quatro primeiros entraram direto nas quartas de final, enquanto os outros oito duelam pelas quatro vagas restantes. Ao longo dos 25 anos desde a adoção do formato, os maiores campeões são o Folgore, o Tre Penne e o Tre Fiori, cada um com quatro títulos.

Embora seja um formato pouco utilizado atualmente, outro país com mais tradição já teve sua fase final: a Suécia utilizou o mata-mata para decidir o campeão nacional entre 1982 e 1990. Nos três primeiros anos, os oito melhores da liga nacional Allsvenskan disputavam a fase final; entre 1985 e 1990 a luta pelo título sueco ficou restrita aos quatro primeiros após a disputa das 22 rodadas do campeonato.

A adoção do novo regulamento não impediu o domínio do IFK Göteborg, principal clube sueco na década de 1980. Os alviazuis terminaram a fase inicial na liderança em somente duas ocasiões, mas foram pentacampeões da Suécia em um período de nove temporadas sob a vigência do mata-mata. No mesmo espaço de tempo, o IFK faturou dois títulos da Copa da UEFA e foi semifinalista da Copa dos Campeões na temporada 1985-86.

Fase final em pontos corridos

O futebol suíço adotou entre as temporadas 1987-88 e 2002-03 uma fórmula bem diferente para sua Nationalliga, primeira divisão do futebol local. As 12 equipes participantes jogavam entre si em dois turnos; terminada a fase inicial, a pontuação dos oito primeiros colocados era dividida pela metade e os clubes jogariam entre si mais dois turnos, totalizando 36 rodadas. Os quatro piores disputariam mais 14 rodadas com alguns clubes da segunda divisão para decidir quais equipes estariam no primeiro nível da temporada seguinte.

A imprevisibilidade, uma das principais características do futebol helvético até a formação da Super Liga Suíça em 2003, se fez presente durante o período citado no parágrafo acima. Ao longo das 16 temporadas que tiveram o formato de duas fases, oito equipes foram campeãs. Quase metade das taças foi conquistada pelo Grasshopper, um clube tradicional de Zurique que não voltou a ser campeão desde então.

O modelo escocês

A decisão de criar a Premier League escocesa na temporada 1998-99 foi embasada no exemplo que vinha da Inglaterra. A ideia dos principais clubes da Escócia era reter uma maior porcentagem das receitas, que originalmente eram divididas proporcionalmente entre os clubes das quatro divisões profissionais do país. A temporada 2000-01 foi a primeira da elite local a ser disputada com 12 clubes em um formato totalmente novo.

Os clubes jogariam três turnos entre si, totalizando 33 jogos. Para evitar um longo calendário com 44 partidas, como aconteceu entre 1991 e 1994, a entidade organizadora decidiu dividir os 12 clubes em dois grupos, um que decidiria o título e as vagas europeias e outro para decidir o rebaixamento. As equipes jogariam entre si em turno único dentro de cada grupo, totalizando 38 partidas para cada time.

Embora fosse um formato interessante para manter um número similar de partidas por temporada (no formato com 10 clubes cada equipe jogava 36 vezes), nem todo mundo gostou. Alex McLeish foi o treinador do Hibernian por três temporadas no período da virada do século e na época declarou que “terminar na metade de baixo da tabela é na prática a mesma coisa que ser rebaixado”. Apesar das críticas, o formato é utilizado até os dias de hoje e não causou mudanças significativas no futebol local, que segue polarizado entre Celtic e Rangers.

Outros países adotaram um formato que divide os clubes em dois grupos de acordo com sua posição, mas nenhum deles dividiu as equipes após três turnos como a Escócia. A Premier League galesa (desde a temporada 2010-11), a Bundesliga austríaca (desde 2018-19), a Superliga dinamarquesa (desde 2020-21), o campeonato do Chipre e a Primeira Divisão de Andorra adotam o formato em que as equipes jogam dois turnos entre si e depois jogam outros dois turnos dentro de cada grupo de acordo com a posição, totalizando 20 (no caso de Andorra) ou 32 jogos (no caso dos outros países).

A criatividade utilizada para definir a fórmula de disputa

Todos os formatos detalhados nos parágrafos acima foram baseados nos pontos corridos e a maioria passou por pequenos ajustes para permitir que todas as equipes disputassem o mesmo número de partidas sem sobrecarregar a temporada. Só que a ideia de permitir que os clubes tivessem a mesma quantidade de jogos ao longo de um ano não foi utilizada por todos os países que decidiram inovar: algumas ligas nacionais inovaram em seus regulamentos e o seu respectivo campeonato tem uma fórmula única.

O primeiro país a adotar um regulamento diferente foi a Bélgica. Logo após a redução do número de participantes da Pro League (primeira divisão local) de 18 para 16, a fórmula de disputa da competição foi modificada. Os clubes seguiriam com uma fase a ser disputada pelos clubes em turno e returno, mas ela seria sucedida por uma fase final. Os seis primeiros teriam sua pontuação reduzida pela metade e disputariam mais dois turnos em si no que funciona como um hexagonal do título. As oito equipes posicionadas imediatamente abaixo disputariam uma minicompetição cujo ganhador disputaria uma vaga na Liga Europa contra o melhor posicionado do hexagonal do título que não estava classificado para a competição continental.

Um regulamento confuso e desigual, pois os times que ficaram melhor posicionados fariam 40 jogos e as equipes do minicampeonato fariam 36 partidas. O formato perdurou até a temporada 2015-16, com algumas alterações pontuais na forma de definição dos rebaixados ao longo do período. A reformulação promovida pela Real Associação Belga de Futebol na virada da temporada reduziu o número de clubes profissionais no país (de 33 para 24 equipes), o que forçou uma mudança no regulamento das duas primeiras divisões da Bélgica.

Na temporada 2016-17, a primeira divisão belga seguiu com o hexagonal do título. A mudança foi notada no minicampeonato: a partir da temporada citada, nove equipes da elite se juntariam a três equipes da divisão de acesso belga no minicampeonato. Só que o campeão da segunda divisão não poderia participar deste torneio por força do regulamento – em uma situação extrema, o campeão da segunda divisão obteria o acesso normalmente, mas o quarto colocado da segundona disputaria a Liga Europa através do minicampeonato.

Com a suspensão do rebaixamento na temporada 2019-20 devido à pandemia de covid-19, o formato passou por mudanças para a temporada 2020-21. A primeira divisão belga tem agora 18 participantes, que seguem jogando entre si em dois turnos. Com a expansão do campeonato, o hexagonal foi trocado por um quadrangular final, que também é disputado pelos quatro melhores times que tiveram sua pontuação reduzida pela metade. Agora também existe um segundo quadrangular, disputado entre os quatro clubes subsequentes na tabela e que concede uma vaga na Liga Conferência.

Outros países também adotaram uma fórmula que concede um número desigual de jogos para suas equipes. Grécia e Israel tem campeonatos com o mesmo formato, mudando somente o número de rebaixados: 14 equipes jogam entre si em turno e returno; concluídas as 26 rodadas, os seis primeiros vão para o hexagonal do título (disputado em dois turnos, mais 10 jogos) e os oito últimos para o octogonal do rebaixamento (disputado em turno único, mais sete partidas).

A Romênia também adotou o formato citado acima em seu campeonato por alguns anos. A suspensão do rebaixamento na temporada 2019-20 forçou uma pequena mudança para a atual temporada – as 16 equipes jogam entre si em dois turnos e depois são divididas em dois grupos, o principal com seis clubes e o secundário com 10 participantes.

A mudança de formato permitiu a chegada de novos clubes na briga pelas principais posições e uma expansão do calendário. No entanto, nenhum país que adotou uma fórmula “inovadora” teve uma mudança considerável na competitividade de seu campeonato nacional. Os principais clubes seguem conquistando taças com uma maior frequência – como o Brugge na Bélgica, o Olympiacos na Grécia, o CFR Cluj na Romênia e o Red Bull Salzburg na Áustria. Ter regulamentos confusos não é exclusividade nossa – e o teor das mudanças nos faz pensar sobre a competitividade de determinados campeonatos.

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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