Ódio à Copa do Nordeste, mas com quatro parágrafos para um amor utópico
Por Leandro Paulo Bernardo, cirurgião dentista e pesquisador de futebol
Sim amigos, digitei corretamente. Essas linhas textuais desse pernambucano nascido em Garanhuns, criado em Quipapá e morador de Caruaru não será uma ode para essa competição, mas um ódio por tudo que ela representa atualmente para o nosso futebol. Especialmente agora com a chegada do mata-mata, à qual tentam emplacar como um playoff da NBA, após uma enfadonha fase de classificação.
Primeiramente explico logo, nada no futebol se constrói destruindo o passado ou atropelando o presente. Os Estaduais continuam sendo fundamentais para o futebol brasileiro, mesmo com calendários bizarros e Federações bizonhas. Contudo as datas para os estaduais estão mais enforcadas e apertadas, devido a uma longa e chata fase de classificação imposta pela Copa do Nordeste, que numa canetada ou tacada, ao melhor estilo Baianinho de Mauá, impôs a presença dos clássicos entre rivais estaduais logo na primeira fase ao colocá-los em grupos diferentes.
Essa tática para vender o produto comercialmente é colaborada através do peleguismo suspeito de uma grande parcela da imprensa nordestina (praticamente 90% metropolitana). Insistem com uma manipulação das notícias e teorizando que os grandes jogos são apenas proporcionados com a presença perpétua dos clubes tradicionais e das capitais. Chega a ser surreal tentarem impor que um mero Náutico x Ceará seja aquele clássico tradicional e marcante. Nunca vi alguém citar que Criciúma x Paraná é um clássico do sul, mas aqui vendem com força essa teoria.
Usam o critério populacional das três maiores cidades da região (Recife, Fortaleza e Salvador) para tombar a palavra clássico, quando no passado nunca houve tantos clássicos interestaduais. O presente de alguns clubes ratifica minha tese sobre a banalização do termo clássico, mas o futuro recheado do peleguismo da imprensa famosa tenta emplacar isso.
A simples localização geográfica de sete clubes nesse REFORSAL (Clubes do Recife, Salvador e Fortaleza) é tese simplista para emplacar uma soberania imaginária, financeira e ideológica. Infelizmente esse “Apartheid no Gueto’ é cruel, onde deveria haver a plenitude de uma solidariedade financeira. O tal G7 é muito perigoso e surge como uma submissão plena aos clubes das outras capitais. Estão transferindo para o Nordeste o pensamento futebolístico do monopólio “Rio – São Paulo”, assim o Maranhão seria o nosso Rio Grande do Sul e a Paraíba a nossa Minas Gerais ?
Ainda nessa questão interestadual surgem alguns questionamentos; qual critério posso utilizar para julgar que um clube de Alagoas é menor ou maior do que um clube do Rio Grande do Norte ? Por que meu decadente Santa Cruz pode ser classificado como superior ao emergente ABC ? Caso você tenha pensando na tal “participações em Série A” aí vou replicar; ganhar uma edição da Copa do Nordeste não muda absolutamente nada no ranking da CBF. Permite apenas que o vencedor entre numa fase avançada da Copa do Brasil, semelhante à glória máxima da marcante Copa Verde. Para efeitos classificatórios e até históricos não existe um ranking próprio da Copa do Nordeste, nem Campinense ou Sampaio Corrêa ganharam pontos por vencer o regional. A Raposa de Campina Grande foi excluída da edição seguinte ao seu título, algo que pode acontecer com o Sergipe neste ano, caso o Gipão vença o regional mas caía nas semifinais do estadual.
Esse “olhar de retrovisor” gera um protecionismo para clubes com campanhas sofridas no Estadual, mas que sua presença no Regional seja subliminarmente classificada como necessária e essencial. Nasceu até um filtro mascarado como “Pré Copa do Nordeste”, com duas fases eliminatórias que mescla vice campeão estadual, clube de segunda divisão estadual e “tradicional” sem mérito. O Vitória por exemplo, desde 2018 não consegue chegar às semifinais do Estadual, mas tem cadeira cativa na Copa do Nordeste por participações fugazes na primeira divisão. Neste ano eliminou na tal fase “pré da pré” o Cordino, vice campeão maranhense de 2022. Lembrando que Floresta e Imperatriz ainda têm condições para entrarem nesse balaio pelo bilhete do Ranking agregado.
Assim, clubes desorganizados e em prejuízo constante em suas finanças sobem no “ônibus da Copa do Nordeste”, sentam na janela e ainda tem o melhor serviço de viagem; as cotas. O clube que vem trabalhando honestamente e com planejamento, está apenas sustentando financeiramente os outros, aqui em Pernambuco o Retrô é um bom exemplo de clube organizado, mas que não conseguirá embarcar nesse ônibus.
Sempre afirmei: não são cotas, são castas. Dificilmente um clube de Alagoas com cinco anos de ascensão irá receber algo no mesmo nível de algum clube decadente do REFORSAL. O CSA jogou na primeira divisão do nacional, mas sempre recebeu uma cota do regional inferior a qualquer clube desse semi-eixo. Puxando a memória, o Timbu jogou uma única edição da Libertadores nos anos 60, mas o Marujo foi o único clube a disputar uma final de competição sul-americana.
Culturalmente até foi criado um simpático apelido; Lampions. Porém é uma mera analogia fonética com a Champions League. Jamais vocês irão ver um clube de Serra Talhada, a terra natal de Lampião, na Copa do Nordeste. Das cidades por onde Virgulino Ferreira passou e acampou, o clube recordista em participações é o Salgueiro, em seis edições… Menos do que o já citado Vitória conseguiu sem o devido mérito. Várias cidades “lampiônicas” possuem apenas uma ou no máximo duas participações. A imensa maioria dos clubes do interior alargam o histórico dos clubes com uma participação na competição.
Hoje só com um milagre teremos algum clube do interior participando com frequência da Copa do Nordeste… amanhã será mais difícil ainda. Atualmente a esperança ainda lampeja com os dinossauros do Sousa, labuta graças à Jacupa e em Itabaiana acorda ou hiberna lá na Serra.
A tal “necessidade dos grandes jogos” para vender e emplacar uma marca baseada nos clássicos estaduais, abomina completamente a existência desses Heróis da Resistência. A segregação ainda é reforçada com teorias imbecis de jogar todos os “clubes menores” dos estaduais, numa Série E Nacional ou até na criação da Segunda Divisão da Copa do Nordeste… logo penso, qual atrativo midiático e financeiro para um Itabuna x Maguary idealizado por algum intelectual transeunte?
Chega de sonhar com as edições de 2001 e 2002 com transmissão da TV Globo, aquilo foi um pesadelo que excluiu da Copa do Nordeste o melhor ASA do milênio, um bom Tremendão da Olímpica de Itabaiana e o fenomenal Corintians de Caicó. Lembrando que nas suas idas e vindas a Copa do Nordeste por três vezes excluiu os nossos irmãos do Maranhão e do Piauí.
Mas para não ser o Pedro de Lara da Copa do Nordeste, vou usar o termo “Bom Conselho” que por coincidência é o nome da cidade natal do eterno jurado. Eu acredito na utilidade e benefício da competição, especialmente se ela for realmente inclusiva para todos e integrante da nossa cultura.
Poderia até me apaixonar por ela, caso houvesse uma fase de grupos compacta, abrindo a temporada por duas semanas de janeiro, ao estilo Copa do Mundo em sedes, deixando o mata-mata para duas quartas-feiras em Fevereiro, Março e a finais em Abril, sendo ida e volta nas cidades dos clubes envolvidos. Os domingos seriam exclusivos para os Estaduais. Poxa, como seria legal ter uma sede em Garanhuns de Dominguinhos, Barreiras da Soja, Caicó do picolé caseiro ou na riquíssima dupla Petrolina Juazeiro.
No ano da “sede Forró”, Olinda iria reclamar da quantidade de turistas em Campina Grande e Caruaru em pleno mês de Janeiro, enquanto Santa Cruz do Capibaribe com sua excelente feira pegaria o “rebote econômico” desses turistas. Surubim iria ressuscitar para o futebol no ano da “sede Frevo”, já que Capiba e Chacrinha nasceram por lá. A marca dos clubes soteropolitanos seria trabalhada com força energética em Paulo Afonso ou mergulhada até o fundo em Petrolândia, especialmente o Vitória que só tem abrangência plena em Salvador. A Copa do Nordeste finalmente iria até Natal, Salvador, Paraíba, Bacabal… Em Belém todo mundo ficaria feliz se a turma do Grão-Pará também fosse convidada para nossa festa.
O futebol iria “descobrir” a riqueza da Gurguéia, finalmente seria justificado o gigantismo da Arena de Alto Santo e teríamos lotação máxima no novo Romeirão lá em Juazeiro do Norte do Padre Cícero (sua benção meu padim). Aproveitando os vernáculos de fé… Minha Nossa Senhora, seria lindo demais ter sedes pela Ribeira do Velho Chico com jogos em Pão de Açúcar, Propriá e a apoteose em Penedo. A grandiosidade de um treino na Vila Operária de Neópolis seria uma imensa aula de história, iriam pisar no gramado do mítico Passagem. Descobrimos nos bagaços dos engenhos os doces de Capela e os tarecos de Catende.
Não tenho nada contra a opção dos torcedores, mas surgiria algo atrativo na região para tentar resistir à influência em excesso dos clubes do eixo no interior, já que os clubes do semi-eixo estariam realizando a pré temporada no Mangue Seco de Tieta e jogariam em Estância, imaginem uma caravana de Esplanada e outra de Umbaúba para acompanhar Bahia x Moto Club no Francão. Lá no Delta, a criançada de férias iria lotar o Mão Santa para ver Fortaleza e Treze, com um empate beneficiando o Parnahyba. Imaginem a parcela de bilheteria para o CSE após um Sport x Ceará em Palmeira dos Índios, levaria até minhas filhas para ver o meu rival, mas só depois de passearmos na Serra do Goití e comermos sapoti. O Rubro-Negro de Ariano Suassuna poderia até treinar lá na Quebrangulo de Graciliano Ramos.
Parem com essa ideia fixa de cotas, não adianta o Santa Cruz receber um milhão da Copa do Nordeste e com sua desorganização plena terminar o ano devendo dois milhões. Não adianta no segundo semestre reclamarmos da disparidade nas cotas do Campeonato Brasileiro se no primeiro semestre somos coniventes com esse abismo entre Bahia e Fluminense, lembrando que o Esquadrão de Aço foi tão emblemático para a edição de 2023 quanto o Vaqueiro Belchior.
Para a sobrevivência da rivalidade, reflitam que a fidelidade do torcedor é mantida com títulos e valentia. Hoje a Copa do Nordeste se estruturou numa forma que apenas dois ou três clubes podem realmente brigar pelo título. Vamos gerar, do parto ao luxo, o nosso Bayern de Munique nordestino, enquanto algum menino de Bayeux na Paraíba não achará nada que possa justificar sua torcida por algum clube paraibano na Copa do Nordeste.
A própria competitividade é prejudicada. Nessa semana o CSA lançou o Sub 20 contra o Sport na quarta e com toda razão na quinta colocou o time titular contra o Coruripe pela Copa Alagoas. A Copa do Brasil financeiramente paga mais e a última chance do Marujo navegar por esse mar será através dessa competição, já que naufragou no estadual.
Não existe mais aquele olhar cirúrgico para contratar os destaques dos estaduais. O Bahia de 88 nasceu graças a Catuense e ao lorde de chuteiras de Uberaba. O Sport era forte com Neco de Umbuzeiro e Aílton de Laranjeiras, crescendo ainda mais com Jackson de Codó e Leonardo de Picos. Hoje Romeu Pulmão de Aço arrebenta no Potiguar Time Macho de Mossoró, enquanto Birungueta desfila sorrindo no Lagarto, contudo são ofuscados do grande mercado nordestino por estarem fora da vitrine da Copa do Nordeste… entretanto as portas estão abertas para perebas do eixo, o Chumacero da Bolívia e até para o nepotismo que era usado pelo primo do Messi.
Tudo hoje é dinheiro e mídia, nada mais é herança e paixão. Hoje na sua essência, a Copa do Nordeste não é o Morango do Nordeste, não tem o cheiro de um Baião de Dois ou tão pouco o sabor mágico de um caldinho de Sururu num domingo de tarde em Maceió. A Copa do Nordeste está sendo um arrumadinho safado para alimentar o ego e o bolso de quem tenta impor sua falsa grandiosidade. Pensem bem no monstro que está sendo gerado, torçam para que o filtro não aumente e no futuro próximo todo o Nordeste seja obrigado a “torcer” por apenas duas equipes na Superliga Nacional.