Um balanço do futebol português na temporada 2020-21

Um balanço do futebol português na temporada 2020-21
Foto: Patricia de Melo Moreira/AFP/Getty Images

Como acontece em todo mês de maio, a temporada europeia da maioria dos países europeus chega a um final. Na maioria dos campeonatos nacionais, o calendário apertado provocou surpresas ao longo da temporada. No futebol português não foi diferente: enquanto algumas torcidas puderam comemorar depois de anos, outras passaram raiva com o desempenho de suas equipes ao longo da temporada 2020-21.

O fim do jejum do Sporting

O plantel que reconquistou o troféu da Primeira Liga para os leoninos após 19 anos possui 27 jogadores. Destes, somente sete atletas possuem idade igual ou superior a 30 anos. A juventude foi uma das principais apostas do Sporting ao longo da temporada para aguentar o calendário comprimido da temporada 2020-21. Também pesou a favor as eliminações na fase preliminar da Liga Europa e nas oitavas da Taça de Portugal, que diminuíram a quantidade de jogos disputada pelo Sporting.

Também brilhou a estrela do técnico Rúben Amorim. Com apenas 36 anos de idade, Rúben ainda era um jovem na base do Belenenses quando o Sporting ganhou a Primeira Liga na temporada 2001-02. Após uma passagem de seis meses pelo Casa Pia e outra de três meses pelo Braga, o ex-meio-campista com passagem pela seleção portuguesa assumiu o Sporting em março de 2020. A primeira mudança dentro de campo foi a escolha de um esquema com três zagueiros que deixou a equipe mais ofensiva, sobretudo a partir do início da temporada 2020-21.

A melhora no desempenho do ataque também se deve a presença de Pedro Gonçalves. Contratado na virada da temporada junto ao Famalicão por € 6,5 milhões (cerca de R$ 40 milhões), o jovem meia armador de 22 anos foi colocado na linha de ataque do time sportinguista e fez incríveis 23 gols em 32 partidas válidas pela Primeira Liga, sendo coroado o artilheiro da competição. O título quase foi conquistado de forma invicta – uma derrota de 4×3 para o Benfica na penúltima rodada retirou a possibilidade da conquista ser mais marcante do que ela foi.

Grandes valores, pouco retorno

Abastecido pela venda do zagueiro Rúben Dias por € 60 milhões (mais de R$ 400 milhões), o Benfica foi às compras na última janela de inverno. Além dos nossos conhecidos Éverton (ex-Grêmio), Pedrinho (ex-Corinthians), Lucas Veríssimo (ex-Santos) e Gilberto (ex-Fluminense), o Benfica também contratou o centroavante Darwin Núñez (ex-Almería), o atacante Luca Waldschmidt (ex-Freiburg) e os zagueiros Jan Vertonghen (ex-Tottenham) e Nicolás Otamendi (ex-Manchester City). Todos esses grandes nomes seriam comandados por Jorge Jesus, retornando aos encarnados após uma passagem bem sucedida pelo Flamengo.

Mesmo com tantos nomes de peso, a primeira metade da temporada foi bastante complicada. A eliminação frente ao PAOK nas fases preliminares da Liga dos Campeões acendeu o sinal amarelo. Após um bom começo na Primeira Liga, duas derrotas para Boavista e Braga tiraram as águias da liderança. A campanha irregular nas rodadas próximas a virada do turno chegou a colocar em risco a vaga do Benfica na Champions League.

O final de temporada foi um pouco mais tranquilo, com somente uma derrota ao longo do segundo turno e a terceira colocação consolidada, atrás dos rivais Sporting e Porto. É a primeira vez desde a temporada 2008-09 que o Benfica conclui a primeira divisão portuguesa fora da posição de campeão ou vice. Sem o título da liga ou da taça, o grande investimento (mais de R$ 600 milhões, somando todas as peças citadas anteriormente) foi considerado um fracasso – reformulação é a palavra de ordem no clube para a nova temporada.

Pequenos valores, grande retorno

Foto: divulgação/SC Braga

Conhecido por estar na contramão dos polpudos valores que os integrantes do trio de ferro investem na montagem de seus elencos, o Braga pôde se dar ao luxo de investir um pouco mais na preparação para a temporada 2020-21 após vender o promissor Francisco Trincão ao Barcelona por € 30 milhões (cerca de R$ 180 milhões). Cerca de um quarto desse valor foi investido na contratação em definitivo de Abel Ruiz junto ao mesmo Barcelona no que ficou caracterizado como a maior contratação da história dos braguistas, um ponto fora da curva quando falamos de investimentos em contratações dentro do clube.

Para o banco, veio uma figura conhecida: o experiente Carlos Carvalhal, de 55 anos, treinador com rodagem nas divisões inferiores portuguesas e uma passagem marcante pelo inglês Sheffield Wednesday, veio com a missão de manter o Braga competitivo após a saída de Rúben Amorim. Após um primeiro turno bastante consistente contra as equipes de menor porte, os guerreiros do Minho estiveram presentes nas posições que davam vaga na Liga dos Campeões. Com o segundo turno recheado de empates, o sonho ficou distante e o Braga disputará a Liga Europa na próxima temporada.

O bom trabalho de Carvalhal foi coroado no final de maio: após uma vitória por 2×0 sobre o Benfica em uma partida bastante violenta disputada na cidade de Coimbra, o Braga se sagrou tricampeão da Taça de Portugal. O troféu se junta aos conquistados em 2016 e 1966. O destaque da final também foi o principal jogador do Braga na temporada: o centroavante Ricardo Horta fez o gol do título nos acréscimos da segunda etapa. Outros destaques da equipe incluem os brasileiros Galeno, atacante formado no Trindade de Goiás, e o volante Fransérgio, com passagens por Athletico Paranaense e Marítimo.

Paços de Ferreira e Santa Clara, os primeiros integrantes da Conference League

A partir da temporada 2021-22, a UEFA organizará uma terceira competição de clubes, a UEFA Europa Conference League – ou Liga Conferência Europa, em tradução para o português. A entidade que organiza o futebol europeu criou esse novo torneio pensando em diminuir o calendário das equipes participantes da Liga Europa e permitir que equipes de países periféricos alcancem as fases finais de uma competição importante. Se isso realmente irá acontecer, iremos descobrir nas próximas temporadas, mas hoje a competição já apresenta um número considerável de participantes “incomuns” em competições europeias.

É o caso do Santa Clara. O clube açoreano tem somente uma participação em continental, na extinta Copa Intertoto e na distante temporada 2002-03. A vaga na Liga Conferência foi confirmada na última rodada após uma goleada sobre o Farense e a derrota do concorrente direto Vitória de Guimarães. O destaque do Santa Clara é o brasileiro Carlos Júnior, ponta direita que marcou 15 gols ao longo da temporada e foi extremamente decisivo na segunda metade do campeonato.

O Paços de Ferreira possui um pouco mais de experiência nas noites europeias, tendo disputado uma edição da Liga dos Campeões e três da Liga Europa. A receita pacense é a mesma utilizada pelo Santa Clara e outras equipes portuguesas: o foco da montagem é em atletas locais e brasileiros. Tal como os açoreanos, o destaque é o artilheiro Douglas Tanque, com passagem por Guaratinguetá e Penapolense. O clube da Capital do Móvel ainda tem outros nomes conhecidos do público brasileiro, como o goleiro Jordi (ex-Vasco da Gama e CSA) e o zagueiro Maracás (ex-Sampaio Corrêa).

Na parte de baixo da tabela, uma decepção

O Campeonato Português da temporada 2020-21 apresentou um incremento na definição dos rebaixados. Além dos dois piores, que já sofriam o descenso desde a reintrodução do formato com 18 clubes, o 16º também passou a correr risco de rebaixamento, sendo forçado a jogar duas partidas com o 3º da segunda divisão para decidir qual equipe consegue a vaga na Primeira Liga. Farense e Nacional, promovidos na última temporada, foram rebaixados na 17ª e 18ª posições respectivamente. O Nacional apresentou uma campanha abaixo da crítica, sofrendo 10 derrotas seguidas em certo ponto do campeonato e caindo com duas rodadas de antecedência.

A surpresa ficou por conta do 16º colocado no campeonato. O Rio Ave havia concluído a última edição da Primeira Liga na 5ª colocação, garantindo assim uma vaga na Liga Europa. Os vilacondenses eliminaram o bósnio Borac Banja Luka e o Besiktas antes de cair nos pênaltis para o Milan na última preliminar antes da fase de grupos. Após o bom início de temporada, tudo indicava que o desempenho na liga também seria satisfatório, mesmo após a transferência do artilheiro Mehdi Taremi para o Porto e do treinador Carlos Carvalhal para o Braga.

Só que não foi bem assim: após um início irregular e uma vitória nas primeiras 11 partidas, Mário Silva foi demitido. Após quatro rodadas com um treinador interino, o Rio Ave trouxe Miguel Cardoso para tentar salvar a temporada do clube de Vila do Conde. Após um início razoável (três vitórias nos sete primeiros jogos), parecia que o Rio Ave teria uma permanência tranquila na Primeira Liga. Novamente as coisas não correram como o esperado: o Rio Ave somou oito pontos nas últimas 12 rodadas – o péssimo desempenho jogou a equipe da 9ª para a 16ª colocação. Na disputa pela vaga na elite com o Arouca, 3º colocado da Segunda Liga, duas derrotas por 3×0 e 2×0 sacramentaram o primeiro rebaixamento do Rio Ave desde a temporada 2005-06.

Mesmo com a queda, o futebol português começa a notar que a decisão do último rebaixado não ficará no campo: nos próximos dias, a Liga Portugal irá decidir se o Boavista tem condições de permanecer na primeira divisão. Os axadrezados do Porto possuem dívidas que deverão ser sanadas até o dia 30 de junho.

Dois grandes retornos

Foto: reprodução/Record.pt

Além do terceiro colocado Arouca, o campeão Estoril e o vice Vizela garantiram o acesso na última edição da Segunda Liga. O acesso dos estorilenses já era esperado, dado o histórico recente da equipe na Primeira Liga e o investimento que o clube recebe. O Arouca retorna após passar por dois rebaixamentos em três temporadas e dois acessos seguidos na sequência. Tanto os arouquenses como os vizelenses faziam parte da terceira divisão na temporada 2019-20, mas a história do emblema da Rainha merece um destaque.

Fundado em 1939, o FC Vizela nunca foi uma agremiação muito vitoriosa no futebol português. A equipe passou a maior parte de seus anos oscilando entre a segunda e terceira divisões, com o ponto máximo de sua história sendo um acesso à Primeira Liga conquistado na temporada 1983-84. A passagem na elite durou apenas uma temporada e o Vizela foi rebaixado na última posição. Desde então, o clube vizelense não brigou mais pela promoção até a última edição da Segunda Liga. Com a presença do artilheiro Cassiano (ex-Fortaleza) no plantel e de outros nomes conhecidos do futebol português como o meia Raphael Guzzo (ex-Chaves), o FCV brigou nas cabeças por todo o campeonato e ganhou corpo no segundo turno, garantindo o vice-campeonato ao deixar clubes tradicionais como Académica e Feirense para trás.

As novidades não ficaram restritas ao segundo escalão: dois ex-participantes da Primeira Liga, Trofense e Estrela da Amadora garantiram o acesso no Campeonato de Portugal, terceira divisão do futebol português. Dos dois, o clube de Trofa é o que possui menos tradição, tendo participado da Primeira Liga somente na temporada 2008-09. O Estrela é o de camisa mais pesada: campeão da Taça de Portugal em 1991, os tricolores passaram boa parte dos anos 90 e 2000 na primeira divisão até o rebaixamento em 2009 e subsequente falência em 2011. Refundado, disputava competições distritais até se fundir com o Sintra Football em 2020 e herdar a vaga da equipe no Campeonato de Portugal.

A nova terceira divisão

O Campeonato de Portugal perderá o status de terceiro nível do futebol português a partir da temporada 2021-22. Por decisão da FPF (Federação Portuguesa de Futebol), que pretende deixar mais evidente a fase de transição entre o futebol semi-profissional e o futebol profissional, foi criada a Liga 3, que terá um regulamento diferente das divisões superiores: as equipes serão divididas em duas chaves e depois disputarão uma fase de acesso composta por dois grupos de quatro equipes, algo similar ao que vemos na Série C do Campeonato Brasileiro. Das 24 equipes que participarão do torneio na temporada 2021-22, duas foram rebaixadas da Segunda Liga e as outras 22 provém do Campeonato de Portugal.

As 24 equipes participantes seguem uma distribuição geográfica similar no que tem relação à concentração: três distritos portugueses concentram boa parte dos clubes. O distrito do Porto tem três equipes (Leça, Canelas e Felgueiras), enquanto o distrito de Braga possui quatro (Braga B, Vitória de Guimarães B, Pevidém e Fafe) e o distrito de Lisboa possui cinco (Torreense, Alverca, Sporting B, Real e Vilafranquense). Com um clube na elite e outro na segunda divisão, o distrito de Aveiro surpreende ao colocar quatro times na nova Liga 3: Lusitânia de Lourosa, São João Ver, Oliveirense e Anadia.

O distrito de Setúbal terá três participantes na Liga 3: Amora, Oriental Dragon e Vitória de Setúbal. Os outros distritos presentes são Leiria (representado por Caldas e União de Leiria), Santarém (representado pelo União), Vila Real (representado pelo Montealegre) e Coimbra (representado pelo Oliveira do Hospital).

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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