Como será o futebol pós-crise?

Como será o futebol pós-crise?
LEICESTER, ENGLAND - MAY 07: Robert Huth of Leicester City kisses the Premier League Trophy as players and staffs celebrate the season champions after the Barclays Premier League match between Leicester City and Everton at The King Power Stadium on May 7, 2016 in Leicester, United Kingdom. (Photo by Shaun Botterill/Getty Images)

É de comum conhecimento que o mundo passa por uma crise sem precedentes nos dias atuais. O surto do Covid-19 deixa vários países em quarentena e outros com altos índices de contaminados, com somente um punhado de campeonatos ainda ocorrendo ao redor do planeta. Com tamanha paralisação, é de se esperar que a economia de muitos países sofram sérias perdas. Como o futebol sempre está atrelado às mudanças da sociedade, agora não deve ser diferente.

Conforme foi destacado por Irlan Simões no Twitter, a tendência é que a atual quantidade de dinheiro que circula no futebol diminua, pois embora o futebol seja “a coisa mais importante entre as menos importantes”, torna-se inviável manter todo o dinheiro que circula no esporte com uma paralisação geral de dois ou três meses. É uma bola de neve: empresas não tem receita e não patrocinam, por consequência canais de televisão não terão a mesma verba para pagar contratos televisivos nos valores que estamos acostumados, e os clubes não terão como manter a balança entre receitas e despesas equilibrada.

Esse é um ponto de vista simplista, pois aborda somente a realidade de poucas ligas ao redor do mundo que tem gordos direitos de transmissão, considerando a venda dentro e fora do país. Contratos grandiosos, como o da Premier League que foi recém-fechado com canais de TV da Escandinávia, não devem acontecer novamente nos próximos anos. E conforme o dinheiro da televisão vai diminuindo de acordo com o país, os efeitos da redução das cotas também devem diminuir, mas nem sempre isso será garantia de um pouco de tranquilidade. Clubes com má saúde financeira tendem a ficar com a corda no pescoço por mais tempo, algo recorrente ao falarmos de adiantamentos da cota de TV dentro do Brasileirão.

O efeito da redução do dinheiro circulando no futebol não se restringe somente aos direitos televisivos. Patrocinadores também sofrerão redução em suas receitas e, por isso, o valor repassado aos clubes também vai diminuir. Já estamos vendo isso aqui no Brasil, com a primeira quebra de contrato feita pelo Azeite Royal, que patrocinava os quatro principais clubes do futebol do Rio de Janeiro – um deles em uma posição bem questionável, nos meiões dos jogadores, sem garantia alguma de visibilidade.

Aqui eu faço uma pausa rápida para mencionar um problema que é recorrente no futebol brasileiro: a falta de patrocinadores. Passamos muito tempo com clubes dependentes das verbas da Caixa Econômica Federal, um patrocínio estatal e que deixou muitos bastante acomodados com um patrocínio “certo”, e na sequência tivemos vários casos de clubes que passaram por um bom tempo com patrocinadores “tampões” ou com a ausência deles em seu uniforme, alguns até os dias atuais. Nesse período, nosso mercado publicitário por bastante tempo considerou o patrocínio como um gasto, e não como um investimento. Para recuperar a confiança, ainda se levaria algum tempo, e com a iminente crise isso não acontecerá tão cedo.

Agora já começamos a mencionar malefícios que serão mais familiares aos clubes de divisões inferiores do futebol. Sem tanta dependência das cotas de televisão, eles passarão perrengue por outros motivos: além dos patrocinadores que irão sair de cena, também temos o período de paralisação que afeta as receitas do “matchday”, como a bilheteria, lanchonetes e programas de jogo, sendo este último mais comum em países britânicos. A realidade é dura e afeta principalmente países que já tinham a temporada em andamento, como Brasil, Itália e Portugal. Clubes como Guarany de Sobral, Sergipe e Rio Branco de Paranaguá já encerraram os contratos que existiam com os jogadores de seus respectivos elencos.

Mas isso também afeta quem ainda não começou a temporada para valer. O planejamento fica prejudicado para os países com calendário anual, que normalmente começam seu campeonato nacional no início de março. Aqui no Brasil, os clubes cujas divisões estaduais ainda não se iniciaram já estavam no período de planejamento, e toda essa situação pela qual nós passamos certamente atrasará as disputas por algum tempo.

Realmente estamos encarando uma situação sem precedentes não somente no futebol, mas na sociedade como um todo. Ninguém espera que a roda da economia pare por dois meses. É um baque que afetará nosso dia a dia, o preço de todos os mantimentos que necessitamos, um ponto importantíssimo da história moderna da humanidade. Diante disso, será que retornaremos ao patamar no qual o futebol se encontrava nesses últimos anos?

É complicado dizer isso estando no meio da pandemia, sem saber com precisão como que tudo irá se desenrolar ao longo das próximas semanas, mas muito provavelmente iremos encarar um cenário de recuperação nas próximas temporadas. Temos uma real dimensão da gravidade quando vemos matérias noticiando que o Barcelona, uma das maiores representações do futebol globalizado como conhecemos hoje, está tendo um prejuízo milionário causado pelo fechamento de suas dependências e algumas estrelas do time já pensam na redução dos próprios salários.

Se isso já é debatido com uma potência do futebol mundial, podemos imaginar o impacto que a pandemia de Covid-19 terá em vários outros clubes de diversos países sem a mesma estrutura física e financeira das grandes marcas. Cada clube de futebol tem uma importância bastante grande dentro de sua cidade ou bairro, não se resumindo apenas ao que acontece dentro de campo, mas apesar desse valor social existente a possibilidade de uma quantidade significativa de clubes quebrar por falta de receitas é razoável. Na Inglaterra o temor é muito grande, pois muitos dos clubes da Football League (órgão que coordena as três principais divisões inferiores do país) funcionam no limite da operação, não aguentando mais de três meses sem partidas ou com jogos a portões fechados.

Será uma época difícil e de mudanças no futebol. Por mais que apareçam propostas que possam parecer mirabolantes, como a de passar o futebol brasileiro para o calendário europeu ou até mesmo uma ideia de redução de calendário por quem quer fazer um Mundial de Clubes e uma Copa do Mundo inchadas, é hora dos clubes reunirem seus esforços na busca por um bem comum. Certamente os próximos meses serão muito difíceis para todos que vivem do futebol e consomem o esporte, mas podemos estar diante de uma oportunidade de rever o funcionamento da máquina financeira por trás do esporte.

João Pedro

Embora não faça nenhum curso relacionado ao jornalismo, vê na escrita de textos uma forma de externar sua paixão sobre o esporte. Esteve por dois anos na equipe de esportes da Rádio do Comércio de Barra Mansa.

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